29 de janeiro de 2013

Entrevista de Emprego


A entrevista foi feita no próprio laboratório, com o cientista sentado à frente de uma pequena mesa repleta de papeis. Usava um jaleco que em seus melhores dias havia sido branco, mas agora era gasto e estava repleto de manchas de produtos químicos. Em silêncio, corria os olhos pelo currículo que segurava nas mãos.

Sentado do outro lado da mesa, o dono do currículo observava o cientista ansiosamente, sem saber onde enfiar as mãos, como é normal numa entrevista de emprego. Fora enviado por uma agência de empregos em resposta ao anúncio do cientista, que procurava por um ajudante.

Ao redor de ambos, bancadas com diversos frascos contendo produtos químicos de todas as cores. Alguns borbulhavam, outros soltavam uma fumaça espessa que se dissipava logo que entrava em contato com o ar. Em outro canto, um quadro negro com o desenho de um corpo humano dividia espaço com anotações incompreensíveis.

- Vejo que você é formado em química.

- Isso mesmo. Terminei o curso no final do ano passado. E agora estou procurando por um emprego na área.

- Você tem alguma experiência com Física? Biomedicina?

- Não, não muita. Tive algumas aulas teóricas disso, mas confesso não ter experiência nesse campo.

- E eletricidade?

- Bem, algumas experiências que fiz na faculdade envolviam eletricidade. Não domino o assunto, mas conheço o básico. E aprendo rápido.

- Certo. Bem, na verdade eu estou procurando por um assistente e um ajudante geral.

- Como assim?

- Preciso de alguém que me ajude com meus experimentos, mas também com o castelo em si. Não é incomum eu passar horas no laboratório e me esquecer de cuidar da casa. E o castelo é muito grande.

- Sim, eu reparei.

- Mas eu estou ocupado com algo maior que o castelo. Estou trabalhando em um experimento grande. Enorme! Gigantesco! Maior do que você imagina! Maior do que qualquer pessoa pode imaginar! Não posso ficar me preocupando em tirar o pó dos móveis ou atender a campainha quando estou prestes a... Quando estou... Quando estou quase conseguindo... Preciso apenas de...

E parou, deixando a frase incompleta no ar. Parecia imerso em seus próprios pensamentos, com seus olhos estalados. Logo começou a fazer anotações de modo frenético em um pequeno papel.

Sem saber o que fazer, o jovem químico olhou ao seu redor e percebeu que, num dos cantos, alguma coisa enorme repousava escondida por um pano branco em uma mesa de metal. Acima da mesa, o telhado do laboratório apresentava uma enorme abertura.

Antes que o homem pudesse perguntar do que aquilo se tratava, o cientista pareceu se lembrar de que não estava sozinho e voltou sua atenção para o rapaz a sua frente.

- Enfim, não posso perder tempo quando estou trabalhando. Por isso preciso de um ajudante. Para me ajudar com o castelo, com o laboratório e com os aldeões.

- Os aldeões?

- Sim. Frequentemente eles batem na porta do castelo querendo saber o que estou fazendo aqui dentro. Não tenho tempo para isso. Nem tempo, nem paciência. Por isso preciso de um ajudante. Mas não é difícil, basta pegar aquele velho candelabro ali, abrir a porta do castelo e ver o que eles querem.

- Bem, mas o que eu estou procurando mesmo é trabalhar num laboratório...

- Ah, mas você vai. Não precisa se preocupar. Todo o seu trabalho será voltado à ciência! Claro que você precisará cozinhar nossas refeições e cuidar do castelo, mas todo o resto do seu tempo será dedicado à ciência! Até mesmo quando precisar pegar a charrete lá fora.

- Charrete?

- Sim. Em alguns momentos, precisarei que você vá buscar materiais para o laboratório.

- Produtos químicos, você diz?

- Isso. Produtos químicos. E materiais de laboratório, claro. Um pouco de comida, também. E uma ou outra visita eventual no cemitério da cidade, mas podemos conversar isso depois.

- No cemitério?

- Sim, mas não é sempre. Eu explicarei depois. Enfim, para isso, estou disposto a pagar um salário integral de ajudante de laboratório, como o pessoal da agência de emprego deve ter lhe informado. Mas, para isso, precisarei de você aqui durante as noites.

- Bem, eu vi que o trabalho era período integral, mas imaginei que fosse...

- Não. É integral mesmo! O dia inteiro e a noite inteira!

- O senhor trabalha à noite?

- Ah, sim! A maior parte do meu trabalho é realizada de madrugada. Algumas delas são agitadas, cheias de coisas para fazer. Mas às vezes eu fico sentado sem fazer nada, apenas esperando pela boa vontade dos deuses em produzir uma tempestade de raios. Deuses. Sempre desafiando a ciência.

- Mas isso contaria como hora extra no final do mês?

- Bem, podemos negociar um bônus para você. Mas não se esqueça de que estou investindo as economias da minha família aqui, então precisaremos negociar.

- E quais outros benefícios o senhor dará?

- Como assim, quais outros benefícios? Eu já darei casa, porque você pode dormir naquele quartinho dos fundos, junto com os cavalos! Casa e alimentação! Além disso, e do salário, você participará do experimento que mudará a história do mundo! Você será coberto de glória da cabeça aos pés! Seu nome entrará nos anais da ciência!

- E plano de saúde?

- Plano de saúde? Plano De saúde?! Os planos de saúde estão com os dias contados! Em poucas semanas, o ser humano não precisará mais de médicos! Doenças, enfermidades, mortes... Nada disso irá afligir o homem! Vamos derrotar a natureza! O homem se tornará imortal!

- Bom, entendi. Olhe, serei sincero com o senhor... Acho que sua oferta não é o que procuro. Estou atrás de algo mais estável, com registro em cart...

- Você ouviu isso?

- Oi?

- Isso foi um trovão?

 - Não ouvi nada.

- Droga. Malditos deuses. Continue.

- Estou atrás de algo mais estável, com registro em carteira e benefícios fixos. Além disso, confesso que no meu caminho para o castelo, me senti um pouco incomodado com os aldeões fugindo do meu caminho. Não é bem que o que estou procurando. Além disso, não tem nem metrô aqui perto.

- Caipiras. Não fazem ideia do que estou prestes a conseguir.

- Bem... Entendo. Mas, como eu disse, sinto muito.

- Você irá se arrepender disso. Você e toda a comunidade científica!

O homem não deu atenção ao cientista. Queria mesmo era sair logo dali e voltar para casa antes que escurecesse. Despediu-se do cientista e teve que achar sozinho a saída do castelo. E, no caminho de volta para o pequeno vilarejo, ouviu um trovão. Iria chover naquela noite.

Dentro do castelo, o cientista pegou um telefone em sua mesa e discou um número apressado. O tempo era curto.

- Alô? É da agência de empregos? Aqui é senhor Victor. Victor. Sim, o Dr. Frankenstein. Isso, o do castelo. Isso. Olhe, entrevistei mais um candidato que vocês me mandaram, mas não gostei dele. Eu desisto, é o quinto já. Não, eu queria que vocês entrassem em contato com o primeiro candidato, não me lembro do nome dele. Aquele que tinha um problema nas costas e os olhos esbugalhados, como ele se chamava mesmo? Ivo? Isso! Igor! Entre em contato com ele e diga que ele está contratado. Não vou mais entrevistar ninguém. Não, não tem problema. Mas preciso dele aqui agora à tarde, sem falta. Isso. Aliás, peça para ele me ligar, pois preciso que ele passe em um lugar antes de vir para cá. Isso. Não, é coisa rápida, preciso apenas que ele busque uma coisa para mim no cemit... Quer dizer, num lugar na cidade. Ah, vocês têm uma pá aí para emprestar para ele? Bem, tudo bem. Peça ao Igor para me ligar o mais rápido possível, por favor. E não se esqueçam de tirar o anúncio, não quero mais ser interrompido com entrevistas. Isso. Isso. Obrigado. Até logo.

Desligou o telefone e correu para a bancada do laboratório, começando a mexer em frascos e a fazer anotações. Algo lhe dizia que iria chover hoje.

Não havia tempo a perder.

1 leitores:

Varotto disse...

Sem corcunda? Nahh. Próximo!

 

Championship Chronicles © 2010

Blogger Templates by Splashy Templates