Após seu filho dormir, o pai entrou no quarto do menino para
arrumar suas cobertas. Fazia isso todas as noites. Mas nesta noite em especial,
algo chamou sua atenção antes que ele chegasse à cama.
Esquecido sobre a mesa, um desenho colorido que o menino havia
feito durante o dia.
Caminhando silenciosamente, apanhou o papel com cuidado e observou
o desenho. Era uma grande cidade, com ruas, casas e prédios. E pessoas.
Bonecos palitos inocentemente desalinhados e cabeçudos, com olhos grandes e pequenos
narizes triangulares. Eram feitos com canetinha amarela e que se espalhavam pela
cidade, andando pelas calçadas, dentro de carros e ônibus nas ruas, entrando e
saindo de prédios. Dezenas deles. Alguns carregavam pastas, outros usavam
óculos e um deles vestia azul. Provavelmente um policial.
E todos sorriam.
Nas ruas, nos carros, nos prédios. Todos sorriam.
Até mesmo o Sol, que brilhava sobre a cidade, sorria em meio
aos raios.
E o pai sorriu também, lembrando-se dos seus próprios
desenhos de criança, nos quais as pessoas imaginárias que habitavam as suas
cidades inventadas também sorriam o tempo todo. Sorriam indo trabalhar, sorriam
voltando para casa, sorriam caminhando pelas ruas. Sorriam somente por sorrir.
Ainda com cuidado para não acordar o filho, pegou um papel
em branco e desenhou um boneco palito. Também cabeçudo, também com canetinha
amarela. Mas, quando foi desenhar seu rosto, tentou fazer com que ele sorrisse,
mas em vão. O bonequinho permaneceu sério, com a boca séria. Nem alegre, nem
triste. Apenas sério.
Tentou novamente, e novamente fracassou. O boneco tinha um traço
reto como boca, e assim permanecia. Tentou arrumar o canto dos lábios, fazendo com
que eles subissem, mas tudo o que conseguiu foi fazer com que ele se tornasse
uma pessoa bochechuda. Mas ainda uma pessoa séria.
Passou cerca de quinze minutos ali, desenhando bonequinhos.
Fez mais cinco ou seis, e descobriu-se incapaz de fazer com que eles sorrissem.
Não choravam, não estavam desanimados, mas também não riam.
Eram apenas... Bonequinhos sérios.
Era incapaz de fazer um bonequinho sorrindo. Em um deles
chegou perto, mas não gostou do que viu. Não era natural, parecia que o
bonequinho estava forçando o sorriso.
E o pai percebeu que eles tinham exatamente a mesma expressão
que ele enquanto andava pelas ruas. Não sorria indo ao trabalho, não sorria
voltando para casa, não sorria nas ruas. Pelo contrário, estava sempre com cara
de quem estava indo para o trabalho ou voltando para casa, e só.
Não era uma pessoa triste, era apenas uma pessoa... Comum.
Era uma pessoa que não sorria nas ruas. Exatamente igual a
todas as pessoas que via na rua, nos carros, nos metrôs, todos os dias. Ninguém
sorria. Todos estavam ocupados demais, atrasados demais, para sorrir.
Olhou novamente o desenho do filho, que ressoava ao seu
lado. Lá, todos sorriam. Da forma mais natural e adorável do mundo. No mundo
imaginado pelo seu filho, ninguém deixava o sorriso em casa.
Foi quando ele percebeu que as pessoas deixam de ser
crianças quando param de desenhar bonequinhos sorrindo. No momento em que os
desenhos param de sorrir, é porque a criança deixou de ser criança e foi
capturada pelo mundo-real-das-pessoas-que-não-sorriem-na-rua.
Quando os desenhos param de sorrir, a criança virou um adulto.
Largando a caneta na mesa, o pai aproximou-se do filho e ajeitou
suas cobertas. E, olhando o garoto dormindo, beijou sua testa, pedindo baixinho
para que os desenhos do filho continuassem sorrindo para sempre.
E sorriu. Sorriu feito um boneco palito.
3 leitores:
Muy bueno, Rob!!
É nessas epifanias que a vida mostra que vale a pena! ;)
Forte abraço!
Impressionante.
Foda. Bonecos sem sorrir e com um fone de ouvido, olhando pro celular. Foda.
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