30 de setembro de 2012

O Sorriso do Boneco Palito


Após seu filho dormir, o pai entrou no quarto do menino para arrumar suas cobertas. Fazia isso todas as noites. Mas nesta noite em especial, algo chamou sua atenção antes que ele chegasse à cama.

Esquecido sobre a mesa, um desenho colorido que o menino havia feito durante o dia.

Caminhando silenciosamente, apanhou o papel com cuidado e observou o desenho. Era uma grande cidade, com ruas, casas e prédios. E pessoas. Bonecos palitos inocentemente desalinhados e cabeçudos, com olhos grandes e pequenos narizes triangulares. Eram feitos com canetinha amarela e que se espalhavam pela cidade, andando pelas calçadas, dentro de carros e ônibus nas ruas, entrando e saindo de prédios. Dezenas deles. Alguns carregavam pastas, outros usavam óculos e um deles vestia azul. Provavelmente um policial.

E todos sorriam.

Nas ruas, nos carros, nos prédios. Todos sorriam.

Até mesmo o Sol, que brilhava sobre a cidade, sorria em meio aos raios.

E o pai sorriu também, lembrando-se dos seus próprios desenhos de criança, nos quais as pessoas imaginárias que habitavam as suas cidades inventadas também sorriam o tempo todo. Sorriam indo trabalhar, sorriam voltando para casa, sorriam caminhando pelas ruas. Sorriam somente por sorrir.

Ainda com cuidado para não acordar o filho, pegou um papel em branco e desenhou um boneco palito. Também cabeçudo, também com canetinha amarela. Mas, quando foi desenhar seu rosto, tentou fazer com que ele sorrisse, mas em vão. O bonequinho permaneceu sério, com a boca séria. Nem alegre, nem triste. Apenas sério.

Tentou novamente, e novamente fracassou. O boneco tinha um traço reto como boca, e assim permanecia. Tentou arrumar o canto dos lábios, fazendo com que eles subissem, mas tudo o que conseguiu foi fazer com que ele se tornasse uma pessoa bochechuda. Mas ainda uma pessoa séria.

Passou cerca de quinze minutos ali, desenhando bonequinhos. Fez mais cinco ou seis, e descobriu-se incapaz de fazer com que eles sorrissem. Não choravam, não estavam desanimados, mas também não riam.

Eram apenas... Bonequinhos sérios.

Era incapaz de fazer um bonequinho sorrindo. Em um deles chegou perto, mas não gostou do que viu. Não era natural, parecia que o bonequinho estava forçando o sorriso.

E o pai percebeu que eles tinham exatamente a mesma expressão que ele enquanto andava pelas ruas. Não sorria indo ao trabalho, não sorria voltando para casa, não sorria nas ruas. Pelo contrário, estava sempre com cara de quem estava indo para o trabalho ou voltando para casa, e só.

Não era uma pessoa triste, era apenas uma pessoa... Comum.

Era uma pessoa que não sorria nas ruas. Exatamente igual a todas as pessoas que via na rua, nos carros, nos metrôs, todos os dias. Ninguém sorria. Todos estavam ocupados demais, atrasados demais, para sorrir.

Olhou novamente o desenho do filho, que ressoava ao seu lado. Lá, todos sorriam. Da forma mais natural e adorável do mundo. No mundo imaginado pelo seu filho, ninguém deixava o sorriso em casa.

Foi quando ele percebeu que as pessoas deixam de ser crianças quando param de desenhar bonequinhos sorrindo. No momento em que os desenhos param de sorrir, é porque a criança deixou de ser criança e foi capturada pelo mundo-real-das-pessoas-que-não-sorriem-na-rua.

Quando os desenhos param de sorrir, a criança virou um adulto.

Largando a caneta na mesa, o pai aproximou-se do filho e ajeitou suas cobertas. E, olhando o garoto dormindo, beijou sua testa, pedindo baixinho para que os desenhos do filho continuassem sorrindo para sempre.

E sorriu. Sorriu feito um boneco palito.

3 leitores:

Anônimo disse...

Muy bueno, Rob!!
É nessas epifanias que a vida mostra que vale a pena! ;)

Forte abraço!

Varotto disse...

Impressionante.

Fagner Franco disse...

Foda. Bonecos sem sorrir e com um fone de ouvido, olhando pro celular. Foda.

 

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