11 de julho de 2011

Partido

Foi no Instituto do Coração, em São Paulo.

A recepção do hospital estava repleta de pessoas, como era de esperar de uma recepção de hospital. Os telefones tocavam o tempo inteiro, e o burburinho de vozes era incessante. Médicos e enfermeiras andavam apressados de um lado para o outro; as outras pessoas, por sua vez, estavam sentadas em silêncio e com aquela expressão típica que só é usada por quem está numa sala de espera de hospital.

No meio da tarde, um homem entrou na recepção carregando uma pequena mala e caminhou diretamente até uma das atendentes. Enquanto ele se sentava para ser atendido, a moça sorriu para ele.

- Pois não?

- Boa tarde. Tudo bem?

- Tudo, e com o senhor?

- Mais ou menos. Eu queria um quarto.

- Como?

- Eu gostaria de me internar. Não estou bem.

- Qual o nome do médico que lhe atendeu?

- Eu ainda não fui atendido por médico algum. Na verdade, eu pensei em me internar e
depois ser examinado.

- Senhor, somente os médicos podem autorizar uma internação. Eu apenas registro sua entrada no hospital.

- Mas o médico vai apenas atestar que não estou bem. E eu não estou bem. Confie em mim.

- Sinto muito. Eu preciso que um médico assine os papéis de internação.

O homem olhou ao redor procurando por algum médico que não parecesse muito ocupado e que pudesse lhe ajudar. Não havia nenhum. Voltou sua atenção à atendente.

- Todos eles estão ocupados demais. Será que eu não posso esperar pelo médico no quarto? Ele vai concordar comigo sobre eu precisar ser internado.

- Sinto muito, senhor. Para ser internado, o senhor precisa ser atendido por um dos médicos e passar pelos exames necessários. O senhor pode preencher esta ficha e aguardar?

- Eu não estou exagerando. Eu realmente não estou bem.

- Mas o que senhor está sentindo?

- Mágoa.

A recepcionista pensou ter entendido errado.

- Como?

- Mágoa.

Não. Fora isso mesmo que ele havia dito.

- Senhor... Não sei se entendi.

- Mágoa, sabe? Eu tive o coração partido.

- Mas, senhor...

- Fui pesquisar e parece que existe uma teoria que diz que o tempo iria curar. Eu esperei e não resolveu. Aliás, ninguém sabe ao certo quanto tempo é preciso esperar. Então eu estou no escuro aqui. Imagine se forem anos? Aí desisti de esperar e resolvi me internar. Aqui é um hospital especializado em coração, não?

- Sim, senhor.

- Então vim ao lugar certo.

O telefone na mesa da recepcionista começou a tocar, porém ela o ignorou por alguns segundos, estudando o homem à sua frente. No terceiro toque, ela pareceu ter despertado de seu transe e colocou o aparelho no modo de espera. Alguma colega poderia atender a ligação. Com o telefone novamente mudo, ela voltou sua atenção ao homem.

- Mas, senhor, os médicos aqui tratam de problemas cardíacos. E não... Bem... Emocionais.

- Justamente. A dor que estou sentindo é física. Dói demais. O corpo inteiro... Não, na verdade não. Na verdade, dói somente aqui mesmo, no coração. No resto do corpo, não sinto dor, é mais... Não sei ao certo. É uma sensação de vazio, sabe? Uma falta de propósito, de sentido. Os dias não se encaixam uns com os outros.

- Senhor, eu entendo, mas a questão é que...

- E eu sei essa sensação de vazio é por causa do meu coração partido. Se eu curar o coração, a sensação de vazio some. Eu acho. Porque eu não sentia isso antes.

- Mas eu não posso internar o senhor por causa disso.

- Como não? Vocês são especializados em coração e eu estou com problemas no coração. Não entendo qual o problema.

- É que este hospital...

- Olhe, eu trouxe todos os documentos do meu convênio também. Isso deve ajudar.

- Senhor, você não está entendendo. O problema não é a papelada. É que não temos como lhe ajudar. Aqui nós lidamos apenas com problemas físicos no coração. O senhor está passando por um problema emocional.

- Sim, sim. Eu entendo. Mas o que eu disse é verdade. O problema começou como emocional, mas se tornou físico. Você precisa acreditar em mim. E dói. Tenho medo de ficar sério demais e se tornar irreversível. Não quero continuar esperando e, um dia, descobrir que minha condição chegou a um estágio tão avançado que não tem mais cura.

- Mas corações partidos não se curam assim.

- Bem... O que você recomenda? Porque eu já tentei de tudo.
Antes que ela respondesse, o telefone tocou. Para a sorte dela, pois ela não sabia ao certo o que falar.

- Só um minuto. Marli! Marli! Você pode puxar esta ligação? Obrigada, querida. Senhor, talvez seja melhor o senhor procurar por um psicólogo...

- Você está insinuando que eu estou imaginando tudo isso?

- Não, claro que não. É que eles parecem ser mais indicados para cuidar desta condição.

- Não, meu problema não é psicológico. É bem real. Olhe, eu posso até listar os sintomas para você. Perda de apetite. Não durmo direito. E, às vezes, eu não aguento e choro. Se você esperar um tempinho, deve acontecer de novo.

- Eu acredito no senhor, mas os médicos...

- E eu não preciso de exames para descobrir que não estou bem. Aposto com você que se eu passar pela mesa de raios X, todo mundo verá que meu coração desapareceu. Sobraram apenas alguns cacos, espalhados pelo peito. Um mais afiado que o outro. E eu sinto isso me cortando por dentro. É difícil demais. E a dor não passa.

- Eu sei. Eu imagino.

- Por isso eu preciso ser internado. Internado e medicado. Porque eu não vou viver muito tempo desta forma. Não vou aguentar.

- O senhor disse que tentou de tudo?

- Sim. Já tentei ficar sozinho. Já tentei conhecer pessoas novas. Já tentei beber para aliviar a dor. Já tentei ouvir músicas tristes. Já tentei viajar. Nada funcionou. Ainda dói. Este hospital é a minha última esperança. Porque se vocês não puderem me ajudar, não sei mais a quem recorrer.

Os olhos do homem estavam cheios de lágrima. A atendente mordeu os lábios de leve, sem saber ao certo o que fazer. A fila de pessoas esperando para passar pela sua mesa crescia, e seu impulso era o de chamar a segurança para que o homem fosse retirado do hospital. Por outro lado, suas lágrimas pareciam sinceras demais. Sua dor também.

- Eu realmente não sei como ajudar o senhor. Desculpe.

- Eu preciso apenas de um quarto. Se o problema for dinheiro...

- Não, senhor. É que realmente não temos como ajudar o senhor neste hospital.

O homem ficou em silêncio por alguns instantes. Apenas concordou com a cabeça e levantou-se, agradecendo. Ameaçou ir embora, mas mal havia começado a caminhar, deu meia volta e aproximou-se novamente da recepcionista. Puxou a carteira do bolso e retirou, de dentro dela, uma fotografia.

- É ela.

- A pessoa que partiu seu coração?

- Isso. Na verdade, primeiro ela conquistou. Depois partiu. Talvez ela nem saiba
disso, na verdade.

Seus olhos estavam totalmente marejados. O telefone voltou a tocar. A recepcionista o ignorou completamente e ficou em silêncio, olhando o homem.

- Sinto muito... Não sei o que dizer. Gostaria mesmo de poder ajudar mais.

- Tudo bem. Acho que ninguém pode. Não sei.

E, em silêncio, partiu.

A recepcionista voltou ao trabalho. Poucos minutos depois, notou que o homem havia esquecido o retrato em sua mesa. Ou havia deixado de propósito. Mas, antes que pudesse pensar a respeito, uma correria de médicos e enfermeiros no saguão chamou sua atenção.
Perguntou a sua colega o que havia acontecido.

- Parece que um homem passou mal na rua, aqui na frente. Seu coração parou e ele desmaiou, os médicos estão trazendo ele aqui para dentro.

E, na porta, dois enfermeiros corriam empurrando a maca, na qual o homem com o coração partido estava desmaiado. Seu rosto ainda estava molhado de lágrimas, mas fitavam o infinito. À frente deles, um médico corria apressado, abrindo caminho em direção ao elevador que levava direto ao andar da UTI.

A recepcionista escondeu o retrato em sua gaveta e observou tudo em silêncio. Todas as noites, antes de ir para casa, subia até a UTI e ficava em silêncio olhando o sujeito. Estava sempre desacordado, com instrumentos medindo seus sinais de vida. Os médicos diziam que não havia muita esperança, mesmo porque ninguém conseguia detectar qual o problema.

Tudo o que se podia fazer era esperar.

Contudo, poucos dias depois ele começou a apresentar sinais de melhora. Os médicos não entendiam o motivo, e o obrigaram a passar por baterias e baterias de exames. Mas não chegaram à conclusão nenhuma. E, poucos dias depois, ele teve alta. Saiu caminhando do hospital. Ainda abatido, um pouco mais magro, mas caminhando. Por conta própria.

Alguns jornais especializados em medicina fizeram reportagens sobre o assunto, noticiando a súbita melhora e a descrença dos médicos, que levantavam hipótese atrás de hipótese para explicar tanto a doença quanto a melhora misteriosa. Mas ninguém sabia o que havia acontecido. Ao menos, não com certeza.

Pois ninguém viu que uma noite a recepcionista entrou discretamente no seu quarto, enquanto ele ainda estava desmaiado e depositou o retrato sobre o travesseiro do homem. No verso, uma única frase, escrita rapidamente no balcão da recepção, ao lado do telefone que tocava insistentemente.

Eu vou amar você. Para sempre”.

6 leitores:

K.P. disse...

Nem tenho como dizer o que esse texto fez comigo no dia de hoje, Rob.
Obrigada.

Bia Nascimento disse...

Caralho Rob...

Sil disse...

Seu texto me deixou chorando e fitando a tela por vários minutos.
Não há palavras suficientes para descrever.

Alice O. disse...

é muito bom amar pra sempre ^^

Dúh disse...

lindo

.a que congemina disse...

=____(

 

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