- Como você passou essa semana?
- Ah, mais ou menos. Tive momentos bons e ruins.
- Alguns meses atrás você passava apenas por momentos ruins. É algo a se pensar.
- Sim. Eu penso nisso.
- Eu vejo claramente uma melhora em você. Especialmente nas últimas consultas.
- Sim, eu também. Especialmente depois que trocamos de churrascaria.
- Não é apenas isso.
- Não, não estou tirando o seu mérito. Mas não me sentia à vontade na outra. Aqui, eu me sinto um pouco mais solto.
- Por quê?
- Não sei ao certo. Não sei. Primeiro, tinha frutos do mar no buffet de saladas. Eu sou muito tradicional com essas coisas. Sushi em churrascaria?
- Mas é moda.
- Eu sei, mas eu me sinto deslocado... Como se não fizesse parte daquilo.
- Entendo.
- E aqui é mais silencioso, não tem aquele... Está bonito esse cupim, hein?
- Eu não quero, é muito gordo.
- Por isso que é bom. Cara, eu quero um pedaço. Bem molhado.
- Você deveria maneirar com esta gordura.
- Deixe que meu cardiologista se preocupe com isso.
- Sim, mas olhe essa gordura do canto. É até amarela. Isso vai matar você.
- Eu não estou tentando me matar, se essa é a sua preocupação. Vamos rachar mais uma Coca?
- Vamos. Mas você estava falando da outra churrascaria...
- Ah, sim. Lá tinha aquele cara tocando órgão, eu não conseguia pensar direito.
- Por causa dele? Ou porque as músicas faziam você sentir algo?
- Raiva.
- Raiva?
- Sim. Você prestou atenção o que ele fazia com as músicas? Estragava tudo. Beatles. Elvis. A única que ele acertou foi Djavan. Porra! Errar Beatles e acertar Djavan beira à provocação.
- Mas não é pessoal com você.
- Não, era pessoal com todo mundo que estava comendo ali. Sushi e Djavan? Esquece. Não volto mais. Porra, cadê o cara da linguiça?
- Ele estava ali naquela mesa com as crianças agora há pouco.
- Bom, daqui a pouco ele passa. Mas, voltando. Eu estou muito melhor. Tenho saído mais leve das nossas sessões. Quer dizer, leve, não. Você entendeu. Passa a farofa?
- Pronto. Sim, você está com uma cara muito melhor.
- Qualquer pessoa estaria com uma cara melhor depois de comer esse cupim.
- Que bom que você está se sentindo assim. Fico mais tranquila. Você não estava nada bem.
- Ah, eu sei... Mas tenho me sentido melhor, sim. E sem medicação.
- Você abandonou mesmo?
- Mantive só o Estomazil.
- E os sonhos?
- Isso continua a mesma coisa. Pesadelos o tempo todo. Cara, isso é pururuca? Tá bonito, hein? Me dá uma fatia. Com limão. Isso.
- Pesadelos?
- Especialmente depois das nossas sessões. Acho que é porque eu reviro em tudo.
- Ou porque já passam das nove da noite e você está comendo leitão à pururuca.
- Não. Tenho certeza que não. Qualquer sonho causado por pururuca é um sonho bom. Devem ter ensinado isso a você na faculdade. Mas depois desse pururuca eu encerro.
- Mas seus pesadelos com...
- Campeão! Essa picanha é primeiro corte? Desce um pedaço para mim. Com gordurinha. Isso.
- Você disse que ia parar de comer.
- Mas é primeiro corte. Primeiro corte é como pênalti, não se perde. O primeiro corte é o grande tesouro da churrascaria. Preciso de mais Coca.
- Eu já encerrei. Quero falar com você sobre seus pesadelos.
- Precisamos falar disso agora? Eu tenho um primeiro corte de picanha no prato. Queria ficar quieto com ele, um pouco. É primeiro corte. Não quero nem vinagrete. Quero ficar em paz com ele.
- Você não acha que está se trancando demais no primeiro corte? Esquecendo os outros aspectos da sua vida?
- É primeiro corte! A carne estava imaculada até passar por mim. Isso vale dinheiro! Se eu tentar vender este primeiro corte na mesa aqui ao lado, aposto que pagariam uns cinquenta reais por isso.
- Então, eu espero você acabar de comer este pedaço. E aí falamos dos seus sonhos.
- Precisamos falar disso hoje? Fazia tanto tempo que eu não pegava um primeiro corte.
- É importante.
- Tenho uma ideia. Eu falo na sobremesa. Que tal?
- Desde que você fale. Mas temos somente quinze minutos.
- Então, não vamos perder tempo. Você vai comer algo de sobremesa?
- Não sei ainda. Vou olhar o buffet.
- Então pega a minha, assim nós falamos logo dos sonhos. Pudim de leite.
- Ok...
- Com caldinha!
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Eu sempre me pergunto QUEM vai numa churrascaria comer sushi. Sério, são coisas diametralmente opostas.
Estomazil (ou qualquer bom similar), por sua vez, é a "sobremesa" perfeita.
E eu não ia achar nada mal fazer terapia num rodízio...
Se eu fizesse terapia numa churrascaria, mesmo que tivesse sushi (oi?), eu iria à falência - inclusive do estômago, fígado e afins - rapidinho. Mas seria a melhor falência EVER.
Deus! É muita gordura para um só coração.Rsrs
Mas, com ou sem gordura, queria que minhas reuniões também fossem em uma churrascaria.
Bem que você avisou que um post estava saindo ali...
Reuniões em churrascaria. Já tive isso. Bons tempos. Embora eu não conseguisse prestar atenção em nada além da comida.
Beijos, Rob.
E o que será que aconteceu com o menino de coração frio que não ligava pra ninguém?
Que sempre foi o excluidinho que todo mundo gostava mas não dava a mínima?
Que aconteceu com o 'ninguém corre por ti, menino'?
Com a sensatez?
Ele cresceu. E viu que há de correr atrás.
A ficha caiu.
E o amor chegou.
É estranho dizer amor. Amor.
Um bocado estranho, afinal quem é ele pra saber o que é amor?
Mas ele acha que aconteceu. Ele gosta muito dela, ele pensa muito nela, é o que me disse.
E mesmo sabendo de todos os defeitos, é inabalável.
Ele ouve aquelas músicas só pra lembrar dela.
Ele figura e imagina, trama.
Mas não tem coragem.
Ele é inseguro e medroso, é. São as duas melhores palavras que definem ele.
Além de, não é inseguro mesmo. Quanto a tudo.
E tem medo, muito medo.
E é tímido, tímido como o cão.
Mas ele é. Ele acha que ama e nunca poderá ter certeza.
Será que ele fará alguma coisa ou vai continuar levando essa vida de suposição, medo, angústia e fantasia?
Tá na hora de crescer.
Caralho! Muito boa!
Primeira crônica que leio no Chronicles que está no nível do Champ. Muito bom!
Todo mundo deveria ter direito a terapias dentro de churrascarias. O mundo seria tão mais feliz...
Diálogo fantástico. Alguém bota isso num filme, pelo amor de Deus!
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