23 de maio de 2011

O Menino que Perdeu o Sol

Chovia. Chovia há dias.

Chovia aquela chuva que parece que não vai parar de chover nunca.

E o Menino ficou próximo à janela, olhando a chuva, todos estes dias.

Observava as gotas que caíam sobre as poças do quintal, formando círculos e mais círculos molhados, que o impediam de sair de casa. Às vezes caíam rápido, às vezes caíam mais devagar. Às vezes caíam de pé, às vezes caíam deitados. E o Menino olhava para o céu e descobria que não existia mais céu, somente uma enorme mancha acinzentada, com monstros que brincavam com relâmpagos e brigavam com trovões.

E o Menino ficou próximo à janela, olhando a chuva e contando as gotinhas.

Num destes dias, o Menino atraiu a atenção de uma pequena aranha, que morava ali no cantinho da janela. Caminhando rapidamente pelo parapeito, a Aranha se aproximou do Menino e viu que seus olhos estavam tristes como a chuva e sem cor como o céu. E que só brilhavam quando um relâmpago explodia.

O Menino nem percebeu a Aranha ali ao seu lado, porque a Aranha era muito pequenininha. Era uma daquelas aranhinhas que moram nas casas das pessoas, que acham que qualquer cantinho seco e quentinho está mais que suficiente, e não querem fazer mal para ninguém.

E o Menino ficou próximo à janela, olhando a chuva e esperando o céu clarear.

Mas aranhas sempre são muito curiosas. Esta Aranha em especial era mais curiosa ainda. E curiosa com a tristeza do Menino, a Aranha decidiu subir na janela, para conversar com ele. Balançou-se na sua teia e, com um salto, subiu pelo vidro, chegando até a altura dos olhos do Menino.

E foi assim que ele descobriu que a Aranha estava ali.

– Oi, disse o Menino baixinho.

– Por que você está triste?, a Aranha perguntou.

O Menino apenas suspirou e voltou a olhar a chuva.

– Porque eu perdi o Sol, respondeu.

Foi aí que a Aranha percebeu que o Menino não estava observando a chuva, mas sim o quintal, porque ele queria estar lá fora, brincando. A casa do Menino tinha um quintal enorme, com um gramado verde – que agora estava cheio de poças – e com uma árvore que o Menino adorava.

A Aranha subiu um pouquinho mais pelo vidro e viu a chuva refletida nos olhos do Menino.

– Você não perdeu o Sol. Ele só está brilhando em outro lugar, ela disse.

– Mas eu queria que ele estivesse brilhando aqui para eu poder brincar, resmungou o Menino.

A Aranha começou a fazer uma bolinha com a teia. As aranhas sempre fazem isso quando precisam de tempo para pensar. Sempre que você encontrar uma aranha fazendo uma bolinha de teia, pode ter certeza de que ela está pensando em algo. Depois que ela jogou a bolinha de teia longe, a Aranha voltou a olhar o Menino.

– E você queria brincar de quê?

E o Menino contou para a Aranha que queria brincar de tudo. Que queria sair no quintal, junto com o Sol, para brincar de policial que prende bandido, de pirata que esconde tesouro, de soldado que mata o inimigo, de príncipe que salva a princesa, de espião que descobre segredos, de cowboy que luta com os índios, de piloto espacial que tem uma nave grandona.

E reclamou também que, em casa, ele não conseguia brincar de nada. Que sem o Sol ele não conseguia ser policial, nem bandido, nem pirata, nem soldado, nem príncipe, nem espião, nem cowboy, nem piloto espacial, nem herói, nem nada.

Sem o Sol, ele era só o Menino.

Pior ainda: ele era o Menino-preso-em-casa-num-dia-de-chuva.

E chuva é a coisa mais chata do mundo quando você é menino. Quando as pessoas crescem e viram adultas, a chuva deixa de ter importância, é somente algo que molha nossos pés e faz a gente sair de casa com guarda-chuva. Mas quando você é menino, a chuva é a pior coisa que pode acontecer.

– Mas o Sol vai voltar, disse a Aranha.

O Menino não respondeu. Só olhou para cima e ficou observando o céu acinzentado.

– Eu não sei o que fazer sem o Sol.

– E você não pode brincar aqui dentro?

– Eu já cansei de brincar aqui dentro. Eu quero brincar lá fora, com o Sol.

A Aranha fez mais uma bola de teia, porque estava pensando de novo. Era sabida, a Aranha. Sempre pensativa. Depois de um tempo, jogou a nova bolinha de lado e disse.

– Mas o Sol vai voltar.

– Às vezes acho que ele não vai voltar nunca mais. E que eu perdi o Sol.

– O Sol não se esqueceu de você. E que ele vai voltar logo. Eu prometo.

– Promete?

– Palavra de aranha. O Sol sempre volta.

O Menino continuou olhando a chuva em silêncio por mais um tempo.

– Será que ele demora?

– Não sei. O Sol é muito ocupado. Ele precisa brilhar em outros lugares, para os outros meninos poderem brincar.

– E se ele não voltar? E se eu perdi o Sol de verdade? Se eu perdi para sempre?

Desta vez, a Aranha nem precisou fazer a bolinha de teia para responder.

– Mas ele não se esqueceu de você.

– Como você sabe?

E aí a Aranha explicou ao Menino uma das maiores verdades da vida. E contou a ele que sempre basta a gente pensar com força em que a gente gosta, para fazer com que a pessoa que a gente gosta pense na gente de volta. É como se as pessoas estivessem conversando em silêncio, sem nem saber disso.

E explicou ao Menino que isso tem muitos nomes, mas que o mais famoso deles é Amor.

Quando ela terminou de falar, o Menino ficou em silêncio por um tempo, pensando sobre o Amor. A Aranha aproveitou e fez mais uma bolinha de teia, mas não porque ela precisava pensar, mas sim porque ela queria que o Menino tivesse todo o tempo do mundo para pensar sobre o Amor.

Ela teceu e fiou, ela enrolou e costurou. E, quando acabou, achou que o Menino já tinha pensado demais e resolveu falar.

– É por isso que está chovendo. Porque o Sol está pensando em você.

– Como você sabe?

– O Sol não deixou a Chuva aqui somente para você não conseguir brincar. Eu sei que parece ser isso, mas não é verdade.

– Não?

A Aranha deu mais um pulinho na janela e ficou de costas para o Menino, olhando a Chuva.

– Não. O Sol e a Chuva são amigos. Por isso que a Chuva está aqui, ela disse.

– Como assim?

– O Sol deixou a Chuva aqui como um presente para você. Porque, quando parar de chover, é sinal de que o Sol está voltando e que você vai poder brincar de novo.

– Então eu não perdi o Sol?

– Não. Ele vai voltar. Tudo o que você precisa fazer é esperar a Chuva passar.

O Menino ficou em silêncio. E a Aranha também. Só quem continuou falando foi a Chuva, mas o Menino não escutou. As pessoas não sabem ouvir a Chuva. Se você um dia encontrar alguém que diz conversar com a chuva, pode ter certeza de que é uma aranha disfarçada. As aranhas entendem o que a Chuva diz. E a Aranha ouviu com atenção tudo o que a Chuva disse, mas não contou para o Menino.

Os dois ficaram em silêncio olhando a Chuva parar. E nada do Sol aparecer.

Até que o Menino perguntou:

– Será que demora até a chuva passar?

– Não sei, respondeu a Aranha.

Na verdade, ela sabia. Mas não podia contar ao Menino.

Assim o Menino ficou quietinho na janela, pensando com força no Sol e esperando a chuva passar. Mas pediu para o Sol não ter pressa de voltar, porque queria que ele brilhasse também para os outros meninos.

E sorriu porque ele entendeu então que não havia perdido o Sol. Muitas horas depois, antes de dormir, ele pensaria bastante sobre o assunto e entenderia que perder o Sol de verdade deve ser a coisa mais triste do mundo.

Mas ele ainda não estava pensando nisso. Estava só feliz de saber não tinha perdido o Sol.

– Você fica comigo até o Sol voltar?

– Claro, respondeu a Aranha.

O Menino ficou quietinho, olhando a chuva e tentando adivinhar onde o Sol estava. A Aranha ficou na janela ao seu lado, em silêncio, pensando na vida e no Menino. E no Amor.

E fazendo suas bolinhas de teia.



9 leitores:

Tyler Bazz disse...

Não vou cravar, até pq minha memória é pouca e eu tenho coisas mais importantes pra ocupá-la (:D).. mas acho que esse é Top10 aqui do Chronicles.

Angela Cruz disse...

Que coisa linda. Acabei de descobrir que sou uma aranha, só não tão sabida. Parabéns.

.a que congemina disse...

Que coisa mais linda!

É bom ter alguém pra mostrar que o sol só foi ali brilhar um pouquinho pra outros meninos. E é bom se deixar convencer disso, por mais que pareça que a gente perdeu o sol pra sempre.


Lindo, Rob. Lindo.

Sil disse...

Lindo texto Rob.

Algumas vezes sinto que perdi o Sol mas é bom nunca esquecer que ele volta, sempre.

Beijo

Hydrachan disse...

Sim... É muito ruim perder o Sol para sempre...
Ainda bem que não existe um Sol só...

Lindo texto! Muito, muito lindo!

PS: Eu sempre sentava no quintal conversando com a chuva quando era pequena. Acho que toda criança é uma aranha disfarçada, no final das contas. =)

Eli disse...

O Sol... todos temos nosso sol. E perde-lo é mto triste...
parabéns, gostei muito!

littlemarininha disse...

Na minha humilde opinião, esse foi um dos textos mais lindos que você já escreveu aqui.

Brunín Assis disse...

Discordo do Tyler... é Top 5 com certeza!

Cândida Paredes disse...

Obrigada por me fazer descobrir que sou uma aranha por dentro, estava cansada de disfarces

 

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