5 de novembro de 2010

Anos Incríveis

Foi despertado com uma voz de mulher que chamava seu nome de forma carinhosa.

Abriu os olhos e, ainda com sono, avistou sua mãe sorrindo. Mas não era exatamente sua mãe, e sim uma versão mais jovem dela. Os olhos ainda não eram tão cansados, a pele mais lisa, o sorriso mais aberto.

E estava no mesmo quarto que dormiu a infância inteira. Reconheceu de imediato a disposição dos móveis, e redescobriu livros e brinquedos coloridos que estavam escondidos em algum canto da sua memória. E, mais importante que tudo, o cheiro da madeira da escrivaninha que ficava ao lado da cama. Sobre ela, um desenho seu.

Esfregou os olhos com as mãos.

Havia voltado a ser criança.

Desacostumado ao tamanho das pernas, quase caiu da cama enquanto se levantava. A mãe, arrumando os brinquedos apressada, perguntou se ele havia dormido bem. Ainda estranhando tudo aquilo, resmungou que sim, baixinho, fingindo estar com sono demais para falar.

E, de pé, descobriu-se, pela primeira vez em muito tempo, menor que sua mãe. Mas não deu atenção a isso, pois conseguia apenas olhar o sorriso sincero dela. Ela sorria sempre que olhava para ele? Não se lembrava disso. Mas provavelmente sim.

Foi ao banheiro escovar os dentes, e mal alcançou a pia. Além disso, a escova de dente parecia pequena na sua mão, mas se encaixou perfeitamente em sua boca, que era menor que se recordava – ou que imaginava.

Mesmo se sentindo um pouco ridículo com aquele pijama repleto de desenhos, desceu as escadas com cuidado, ouvindo a voz da mãe pedindo, do quarto, para ele não descer correndo depressa. E passeou pela sala da casa de sua mãe – que, ao que tudo indicava, ainda era sua casa naquele momento.

Todas aquelas velharias, a mesa da sala com suas cadeiras imponentes, o sofá (ainda novo!) e a televisão, modelo antigo, daqueles que não se via mais em lojas, desligada. Experimentou girar um botão e foi surpreendido por uma imagem colorida, de um desenho animado. Uma música engraçadinha encheu a sala.

Em pé, olhou para trás. Olhou cada detalhe da sala, redescobrindo memórias esquecidas. Olhou para si mesmo, pequeno, criança, com pijama colorido.

E, de repente, soube o que deveria fazer.

Sentou-se ao chão, à frente da TV e, com as pernas cruzadas e um carrinho de plástico ao lado, esqueceu-se de tudo, assistindo ao desenho animado, com personagens correndo em ambientes coloridos, com sons divertidos.

E, antes que pudesse perceber, estava rindo. Alto.

E continuou rindo até sua mãe aparecer novamente e abaixar-se ao seu lado com um copo de leite. Ele bebeu de uma vez só, sujando a boca e ganhou um beijo na testa.

– Tem alguém na cozinha que quer falar com você.

Curioso, ele se levantou e caminhou pela sala de sua infância até a cozinha, de onde o cheiro de algo cozinhando começava a se espalhar pela casa. E, próximo ao fogão, um homem mais velho, agachado no chão e sorrindo, com os braços abertos.

O avô.

O avô de quem ele se lembrava ele tão pouco.

E correu na direção do homem, ignorando os pedidos de “não corre!” da sua mãe, e se atirou nos braços do homem, que o levantou no ar e gritou seu nome rindo alto, uma risada gostosa da qual ele gostaria de se lembrar.

O avô brincou com ele, fazendo cócegas – ele, rindo gostoso, não conseguiu escapar – e afagando seus cabelos. E depois de fazer aparecer magicamente um chocolate que ele entregou ao menino dando uma piscadela discreta, perguntou:

– E você já sabe o que quer ser quando crescer?

– Eu não quero crescer, vô – respondeu, sem nem precisar pensar.

E enterrou a cara no ombro do avô, recordando-se do cheiro dele e chorou baixinho, escondido ali, antes de sorrir novamente.

Desta vez, para sempre.

11 leitores:

George Marques disse...

Acho que esse é o sonho de todos os adultos.

Bia Nascimento disse...

Chorei.

Marina disse...

Até ir à escola seria bom, num dia como esse. Saudade atacou forte.

Ana Savini disse...

Fiquei emocionada e morrendo de saudades da minha infância e do meu avô...
Excelente post.

Pedro Lucas Rocha Cabral de Vasconcellos disse...

nossa rob, que coisa...

Não consigo parar de chorar. Lindo.

Otavio Oliveira disse...

simples assim.

Anônimo disse...

Ah, que saudade dessa vida tão simples, saudade da minha infância
*-*

Carla Jaia disse...

uma das coisas mais belas que li.

Varotto disse...

Maravilhoso!

Anônimo disse...

Tive que ler o texto em pequenas parcelas. Seria estranho ao pessoal do trabalho me ver chorando "do nada".

Como o George Marques comentou logo acima, esse deve ser o sonho de todo adulto.

Obrigado, Gordon, pelas borboletas no estômago, e por reavivar esse desejo de rever e matar a saudade de quem já se foi.

mariana disse...

Eu quero meu vô... Só isso...

 

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