Estava sentado sozinho, em silêncio, observando as pessoas.
Fazia isso todos os dias. Sempre no mesmo banco, sempre no mesmo parque. Chegava por volta das 8 da manhã, a tempo de observar com cuidado as últimas pessoas que faziam exercícios antes de trabalhar. Velhos e moços, cada um correndo no seu ritmo, cada um com um motivo para estar ali. Alguns lhe eram familiares e ele reconhecia de outros dias, mas jamais os cumprimentava. Apenas observava atentamente, tentando adivinhar sua história. Brincava consigo mesmo, sentado imóvel, com suas histórias, seus sonhos e passados, seus traumas e futuros. E tentava adivinhar o que cada um iria fazer no dia de hoje, e como o dia de hoje mudaria suas vidas para sempre.
Logo, o parque rejuvenescia e dava lugar às crianças que, acompanhados de suas mães e babás, invadiam o parquinho próximo ao banco. E, sob o Sol da manhã recomendado e festejado por pediatras, brincavam de faz de conta e de correr, levando broncas dos adultos quando se sujavam, e, às vezes, descansando um pouco aos pés da mãe, sempre a postos com a garrafinha de suco. Gritavam e rodavam, como pequenas estrelas desafiando a luz da manhã, sob o olhar atento e calado do homem, que se desafiava a encontrar um futuro advogado ou cientista no escorregador, e não escondia um leve sorriso quando reconhecia um casal de primeiros namorados brincando juntos na areia.
Não demorava, contudo, para que a luz da manhã desse lugar ao almoço. As crianças já estavam escondidas em casa, protegidas pelas mães e almoçando – ele também almoçava, sempre em silêncio, sempre uma maçã e uma garrafinha de água –, e o parque era invadido novamente por pessoas de todas as idades que decidiam olhar o verde na hora do almoço. Todos com roupa de trabalho, alguns ainda de gravata. Descansavam preguiçosamente nos bancos, fingiam não serem adultos e brincavam de crianças de terno tomando sorvete de frutas. E os namorados... De mãos dadas, nos últimos minutos do almoço. Passeando sem destino, mas com horário marcado. Alguns se abraçavam como se nunca mais fossem se encontrar, outros brigavam como estivessem juntos todos os dias. Mas estavam sempre juntos, sempre amando e amados, ali, sob o olhar do homem.
E era com o mesmo olhar que ele vistoriava as pessoas na parte da tarde. Eram os mais diversos. Estudantes que corriam com suas bolas, driblando os adversários e a prova do dia seguinte. Namorados que haviam deixado de trabalhar porque simplesmente não conseguiam se desgrudar. Senhoras de idade que caminhavam tagarelando animadamente, reclamando dos filhos que não ligam, da idade que vem chegando, da conta do cabeleireiro. Pessoas solitárias que passeavam com o cachorro – alguns até mesmo conversavam com o animal, que brincava sozinho espantando pombos e fazendo voarem assustados os patos do pequeno lago ao lado. E ele, em silêncio, dava nome aos cães, pensava nas juras de amor dos enamorados, adivinhava qual a matéria preferida do goleiro na escola, pensava sobre os casamentos daquelas senhoras apressadas.
Conforme a luz se escondia, o parque se esvaziava aos poucos.
Até que sobrava apenas o homem.
E, como fazia todos os dias, era o último a sair. Deixava o parque e andava alguns quarteirões, seguindo a rotina que a vida lhe impusera há anos. Chegava ao seu pequeno apartamento, sentava-se em frente ao computador e, escolhia qualquer uma das pessoas que tinha desfilado em frente aos seus olhos, no parque e começava a escrever.
Inventava um nome, inventava um mundo. Criava amores e solidões, passados e futuros, rascunhava diálogos definitivos para a pessoa. Desenhava paixões e desilusões. Não sabia nada sobre a pessoa, mas era justamente por isso que sabia tudo sobre ela. E, enquanto escrevia, apaixonava-se pelos amores daquela pessoa, sorria junto com elas e, às vezes, até mesmo chorava quando elas sofriam. E, quando tudo se acabava, enviava a pequena história para o seu editor, que revisaria o texto antes de permitir que ele estampasse a página central de um famoso jornal. Tomava uma xícara de leite quente e ia dormir.
E, no dia seguinte, novamente pela manhã, estava de volta ao parque, em busca de uma vida. Em busca de amores, de lágrimas, de sorrisos e abraços. Dos outros.
Pois a ele não eram permitidos sorrisos e lágrimas próprios, tampouco amores.
Ele era um cronista. A ele não era permitido viver, somente observar. E escrever.
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4 leitores:
bonito isso rob
acho que no fundo somos todos homens calados, observando o mundo, diante das pessoas. uns escrevem, vivem disso. outros guardam né.
ah, e ficou bem legal o layout novo
Pobre cronista. Mal sabe que observar E viver é melhor que observar.
Ainda bem que eu não sou cronista. Eu - você também, nós sabemos - temos muito de cronista, mas também temos muito de poeta. A gente vive demais.
Preciso de um parque. Meu caderninho anda preguiçoso.
(e se aparecer um jornal de grande circulação, não vou achar ruim também).
Às vezes eu me sinto uma cronista. Vejo todos vivendo e eu ali, escrevendo sobre eles. E há uma vida lá fora.
PS: muito bonito o template novo. =)
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