14 de maio de 2010

Olhos nos Olhos

Talvez hoje eu me lembre mais dos seus olhos que de você.

O que eu me lembro de você foi tudo o que aprendi. Seu nome, sua idade, o que você fazia e onde morava. E, em uma época, isso me bastava. Porque eu tinha seus olhos, e tendo seus olhos, não precisava saber mais nada.

Dos seus olhos, porém, me lembro de tudo.

Mais que a cor, lembro da felicidade que irradiava deles quando nos encontrávamos; lembro das lágrimas que você deixava cair quando eu não estava por perto; lembro deles me fitando, surpresos, enquanto eu dormia ao teu lado. Lembro de como eles brilhavam naquela época em que todo beijo era o primeiro, em que todo o abraço era para sempre e que nenhum sonho era sonho demais para nós.

Lembro deles correndo de um lado para o outro entre as letras que eu te escrevia; lembro deles se estreitando enquanto você sorria; e – confesso – às vezes eu os olhava durante um beijo, apenas para vê-los fechados e me lembrar sempre de você sonhando. E me lembro de quando eu os olhava de perto, colando meu olho no seu, fingindo brincar, mas apenas para mergulhar dentro deles.

Mas o grande problema das memórias é a impossibilidade de filtrá-las. Lembra-se do bom e de ruim. Enquanto as lembranças boas adoçam somente a boca, as ruins deixam a vida inteira amarga.

Assim como seus olhos.

Daí o fato de eu não apenas me lembrar, mas sim ser assombrado pela lembrança de quando eles se voltaram para outro lugar. Ainda carrego comigo o vazio deles quando você parou de me enxergar e passou somente a me olhar de forma indiferente – e me lembro que meus olhos perceberam isso antes dos seus. E ainda tenho cravado na carne o dia em que eles me deram adeus, antes de olhar outro horizonte, do qual meus olhos não faziam parte.

E seu olhar, ao apontar para outro lado, levou todos nossos sonhos e planos e brincadeiras e apelidos e cartas e músicas. O presente foi dilareçado, o futuro se dissipou com o vento. Mas o passado, as lembranças... Estes ficaram comigo.

Hoje, meus olhos olham o mundo, às vezes procurando pelo seu rastro, às vezes em busca de um lugar para esconder as memórias. Hoje, meus olhos olham o vazio, se perguntando se um dia outros pares de olhos decifrarão seus olhos como os meus decifraram. Hoje, meus olhos olham a tela, mas teimam em escapar deste texto que nasce em frente a eles, fingindo que são palavras e nada mais.

Hoje, meus olhos estão a sós. Hoje, meus olhos estão embaçados.

7 leitores:

Tyler Bazz disse...

A minha grande frustração, como escritor, é que NENHUMA palavra chega a ser um décimo de um olhar. Nenhuma.

Otavio Oliveira disse...

A minha grande frustração, como comentador, é que o Tyler chega sempre primeiro.

hahaha

Lua Durand disse...

"Enquanto as lembranças boas adoçam somente a boca, as ruins deixam a vida inteira amarga."
isso é tão real, por aqui.
outro dia em uma aula de filosofia, que misturava Sartre, Saramago, e não recordo agora mais quem.
O professor falou, que os olhos são a janela da alma, frase que soa até clichê, se tornou até banal, quem sabe.
Outro dia li algo sobre isso por aqui também, se não me falha a memória, foi no texto O Mundo dos Olhos.
Eu imaginei um filme, nestas tuas palavras, daria um curta e tanto.
Por vezes aqui, os meus olhos ficam em lágrimas, por outras, eles sorriem.

=)

Lua Durand disse...

"olhos são a janela da alma, frase que soa até clichê, se tornou até banal, quem sabe..."

Rob, você sempre consegue fugir ao banal, ou clichê.
Aliás, é do que seria banal, para a maioria de outros nós, que você tira cada história linda, daquelas de ficar parado, extasiado, do lado de cá.
Olhando, lendo, sentindo.
Obrigada.

Unknown disse...

..."Mas o grande problema das memórias é a impossibilidade de filtrá-las. Lembra-se do bom e de ruim. Enquanto as lembranças boas adoçam somente a boca, as ruins deixam a vida inteira amarga..."

Se escritores não tem cerebros, as suas palavras são tão penetrantes que a alma não é capaz de segurá-las.

Unknown disse...

..."Mas o grande problema das memórias é a impossibilidade de filtrá-las. Lembra-se do bom e de ruim. Enquanto as lembranças boas adoçam somente a boca, as ruins deixam a vida inteira amarga..."

Se escritores não tem cerebros, as suas palavras são tão penetrantes que a alma não é capaz de segurá-las.

Anônimo disse...

Que lindo, lindo, lindo...
Por que será que meus olhos embaçaram agora?
Ahh isso só eles sabem...
Olhares são eternos e sempre serão eternizados por almas que vêem olhares aonde o mundo só vê olhos.
Vale a pena chorar por cada palavra sua.
Os olhos sabem.

 

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