28 de março de 2010

Chuva

Deu de ombros e foi para casa. Não estava conformado, longe disso, mas sentia-se fraco demais para ficar inconformado com algo. Observou as pessoas correndo para escapar da chuva e, amargo, achou o esforço delas inútil. Todos se molhariam, mais cedo ou mais tarde. E agradeceu, mais para si próprio que para outra pessoa, que a chuva caía sobre ele da mesma forma que caía sobre os outros. Pelo menos, nisso ele era igual aos outros. Pelo menos, se sentia parte de algo. Andando pelas calçadas, viu as gotas regando as flores dos jardins, que enfeitavam as casas de famílias que estavam lá dentro, secas, vendo TV. E pensou que quando você tem certas coisas na vida, você corre da chuva, você evita se molhar; mas, em outros momentos, tomar chuva parece ser um problema tão pequeno. E tão fácil de ser resolvido: bastava apenas lidar com ele e se abrigar sob um toldo, ou uma marquise. Mas não queria lidar com mais nada. Porque sempre havia lidado com tudo, da melhor forma possível – ou ao menos da forma que lhe pareceu a mais honesta e correta possível – e mesmo assim estava sempre na chuva. Não havia Sol. Ao menos, não mais. Assim, levantou os olhos e, em silêncio, desafiou a chuva a desmoronar em cima dele, todas as gotas e litros de água que tivesse, mas foi ignorado pela chuva, que continuava caindo sobre ele da mesma forma que caía sobre os outros. Sentindo-se menor ainda, continuou caminhando. Dentes batendo de frio, olhos fixos num horizonte acinzentado. Sem sinal de Sol, apenas um céu acinzentado, desgraçadamente uniforme e alheio a tudo o que ele sentia. E, pior, alheio e indiferente a tudo o que ele carregava dentro de si, tudo o que ele tinha para dar. Uma gota desceu pela testa e ameaçou cair num dos olhos, mas ele a ignorou deliberadamente. Deixou-a ali, pendurada na sobrancelha, dançando a cada passo, e torcendo para que, quando ela caísse no olho, o mundo, através dela, teria um pouco mais de cor. Ela caiu e a única cor que continuou predominando era o cinza. Cinza-chumbo, cinza-dor. Cinza-nada. Entrou em casa e ainda molhado, deitou-se na cama e ficou ouvindo a chuva do lado de fora. Agora ele não era uma pessoa que estava na chuva, mas também não era uma família que se abrigava dela. Agora, ele era nada. Aos olhos do mundo, era apenas uma janela fechada num apartamento qualquer. Desistiu de entender o passado, desistiu de olhar o futuro, ou ao menos um futuro, e se conformou que não conseguiria escapar do presente. E aceitou o fato de que, mesmo com chuva, ele estava perdido para sempre em um vasto e silencioso deserto.

8 leitores:

Tyler Bazz disse...

Muito legal?????????????????????

SÉRIO, Eryck Taques, ME MOSTRA ONDE TÁ O MUITO LEGAL DESSE TEXTO!
Porque eu sou um leitor comum, com a visão muito limitada, e não consigo enxergar o que você enxerga..

POR FAVOR, me mostra!

Mari Hauer disse...

Pois é, no fundo, no fim, somos sós. Mas acho que a graça da vida está aí: em se manter inteiro e lúcido. Deixar que a chuva venha, que o sol venha. Aceitar as pessoas passando ou ficando na sua vida, com o mesmo sorriso nos olhos de sempre.

Correr pra se esconder da chuva faz com que, talvez, consigamos nos manter secos. Mas, pra que?

Lindo o texto. Lindo e triste. Lindo e seco, por mais paradoxal que pareça... Seco, daqueles que raspam na garganta quando tentamos engolir...

Jullia A. disse...

Cacete.
Tem uma musica que fala assim
'I don't want to talk to you ever again. And I know you don't care.'

Sabe esse sentimento de cansaco de tanto gritar pro mundo te ouvir e perceber que nao importa quao fodido voce esteja, quao triste ou frustrado voce esteja, o tempo continua correndo sempre pra frente? Que o movimento 'e constante e nao importa o quaonauseado voce esteja o relogio continua rodando?
Entao..

Pri disse...

Hoje mais do que nunca me identifiquei com o post, me sinto exatamente assim... nada! :(
E a chuva que cai lá fora não limpa minha alma...

Arthur Accioly disse...

Emo.

Rob Gordon disse...

Que comentário rico, upload. Você escreve seu próprio material ou tem uma toda equipe te ajudando?

Grato pela visita.

Lua Durand disse...

isso dói, e como um outro texto teu aqui do chronicles [pra caralho].
isso dói pra caralho.

-

e como sempre, tu escreve sobre dor, e amor, e tantas outras coisas, com uma sensibilidade e uma beleza indescritivel.

e como sempre, eu gosto sempre de vir aqui.

-

valeu Rob,

Carlos Cruz disse...

Fiquei aqui tentando digitar mil coisas, mas acho que não sei o que dizer ou comentar sobre o que acabei de ler.

Fantástico Rob Gordon.

Carlos Cruz Júnior

 

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