O Porteiro

Sabia que o casal do primeiro andar brigava com frequência, e conhecia todos os motivos disso; foi ele quem chamou o IML, do orelhão da esquina, quando a velhinha do segundo andar foi encontrada morta pelo marido; podia apostar que aquele menino que andava com a garota do terceiro andar não era confiável; se perguntava, todos os dias, se aquele sujeito do quarto andar não deveria ter mais amigos, pois parecia um cara legal; ou, quem sabe, se ele e quarentona do quinto andar não deveriam tentar se aproximar: ambos eram tão sozinhos; sempre soube, desde o primeiro dia de trabalho, anos atrás, que o jovem do sexto andar era homossexual - antes mesmo de ele receber amigos no meio da madrugada; se divertia com o fato do músico do sétimo andar, a cada semana, aparecer com um novo instrumento; tinha certeza de que aquele sujeito de terno que às vezes visitava a loirinha do oitavo andar e tirava a aliança do dedo antes de sair do carro jamais abandonaria a esposa; estranhava o fato da janela do nono andar às vezes estar aberta, às vezes fechada, mas nunca ter visto alguém ali; acreditava que o moço do décimo andar trabalhava demais; e gostava do casal do décimo primeiro andar, apesar de ela, às vezes, ter um ar sonhador, como se estivesse sempre pensando ou se lembrando de algo.

Observava tudo. Invisível, anônimo e em silêncio.

Da portaria do prédio no outro lado da rua, imaginava como seria trabalhar ali.

(Texto feito em homenagem aos leitores que
brincaram com esta idéia ao comentar o post O Edifício)