Quando éramos Reis, o mundo era nosso.
Andávamos pelas ruas, sem nada para esconder. Não havia chuva, havia apenas luz. Mesmo nas noites mais escuras. Estávamos juntos, mesmo distantes. Minhas frases eram suas, seu sorriso era meu. Corríamos procurando estrelas para nos presentear e nos desenhávamos incessantemente em nossos cadernos. Quando éramos Reis, éramos o mundo.
Não caminhávamos, desfilávamos. O povo se afastava, abrindo espaço para aplaudir. Nós apenas sorriamos, pois meu povo era você, eu era seu povo. Não havia multidão, havia nós. Éramos a nossa multidão, completa, maciça, intensa. E fora de controle, com sorrisos e olhares que transbordavam. Quando éramos Reis, éramos o povo.
Nossos textos tinham dedicatória. Cada letra, cada palavra. Nossas músicas eram gravadas de presente. Nossos filmes eram nossos e de mais ninguém. E nossas fotos eram retratos, não eram lembranças. Não havia passado, não existia futuro. Apenas presente. E presentes. Preciosos e baratos. Quando éramos Reis, éramos o tempo.
Falávamos a nossa língua. Conversávamos e jurávamos em poemas. E eles sempre rimavam, se encaixavam, se musicavam quase sozinhos. Não tínhamos nomes, mas apelidos. Dezenas. E éramos apaixonados por cada um e por todos eles. Não havia barulho, nem ruído. Havia som. E nós cantávamos. Quando éramos Reis, éramos o idioma.
Choro? Nunca. Não havia espaço, os sorrisos não deixavam chegar perto. E, quando chegavam, um abraço o espantava. Da mesma forma que afugentava as nuvens, fazendo com que nós brilhássemos. Sorríamos com os olhos, sorríamos com o corpo, sorríamos em letras. E todas elas se curvavam a nós. Quando éramos Reis, éramos o alfabeto.
E tudo era exclamado. Não havia divagações. Éramos certeza. O mundo era nossa certeza. Não sonhávamos com a existência de reticências, vivíamos frases incisivas, cortantes, que não machucam, confortavam decididamente. Cada frase era segura e sem medo, escritas no tom de voz correto. Quando éramos Reis, éramos a exclamação.
Mas éramos saudade. Éramos saudade insaciável, que não se mata nunca. Estávamos um ao lado do outro, e sentíamos saudade. Chegávamos a sentir saudade da saudade para disfarçar. Mesmo assim, sabíamos que jamais existiria um adeus, quando muito um tchau. E seriam, para sempre, breves e curtos. Quando éramos Reis, éramos o oi.
Sonhávamos acordados o tempo todo. Não sonhávamos com nós mesmos todas as noites, mas sonhávamos com nós mesmos o dia inteiro. Estávamos sempre na direção dos olhos. Estávamos em todos os lugares, coisas, filmes, músicas, cores, manhãs, tardes e noites. Não estávamos, apenas éramos. Quando éramos Reis, éramos a onipresença.
E havia planos também. Estratégias de conquista. Conquistávamos um ao ou outro, o tempo todo. Conquistávamos o mundo em nossas cabeças. Cidades pequenas do interior, grandes capitais, todas elas se curvariam a nós. Guerreiros poetas, não cabíamos mais em nossas ruas, precisávamos de outras. Quando éramos Reis, éramos a eternidade.
Mas, isso, quando o mundo era nosso.
Isso, quando éramos Reis.
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6 leitores:
merece ser impresso, emoldurado e pendurado na parede de nossas almas. perfeito.
Chorei lendo esse texto. Talvez pela saudade do que não foi, por não ter tido rei, por não ter sido rainha.
Lindo... vontade de sentir tudo isso para ter a impressão que o mundo já foi "nosso", um dia.
Sempre espero ansiosa pelos seus textos, e nunca me arrependo. Muda um pedacinho de mim toda vez que eu leio.E me faz pensar, às vezes, mais do que eu deveria, sem nunca deixar de valer a pena.
Não sei se é pior ler e querer sentir isso ou ler e sentir saudade de sentir.
Mas olha, se não for o melhor texto, tá no Top 5.
Fico impressionada com a capacidade que você tem pra isso: fazer a gente sentir.
Parabéns, pra variar. =)
Nossa parece q vc estava no meu dia de hoje! Que saudade q pude matar e relembrar certas coisas...
Que felicidade de ver um sentimento expresso em palavras de outra pessoa, parece realmente q vc estava lá, mas não!
A não ser q seja onipresente, rsrsrs.
Amei msm o Texto Rob, Parabéns!
Nostalgia pura!!! Claro, que chorei, óbvio que senti! Já fui rainha sim, acredito que todos nós fomos e a saudade desse tempo bom é o às vezes nos define no hoje.
#beijojávou
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