21 de outubro de 2015

De Volta para o Futuro - Parte 1.5

Hill Valley
21 de outubro de 2015.



Ninguém percebeu quando o carro se materializou no céu.

Afinal, o movimento de veículos era grande demais para que reparassem no surgimento de um deles – mesmo que ele aparecesse envolto em raios. Por outro lado, alguém deve ter visto quando o carro apontou para baixo e pousou num beco na cidade de Hill Valley, mas certamente não deu atenção a isso. A cidade era pequena, mas carros pousavam e decolavam o tempo inteiro ali.

Logo, um garoto saiu andando do beco. Parecia não estar acostumado com seus tênis e jaqueta, mas podia estar apenas andando de forma estranha como os jovens faziam. Andou alguns metros, virou-se para trás e comentou alguma coisa com um velho que, parado ao lado do carro, parecia ansioso e mandou o garoto se apressar.

O jovem caminhou pela praça, encantado com as pessoas que seguravam pequenas máquinas fotográficas e tiravam foto de si mesmas. Entretanto, logo percebeu que aqueles aparelhos deviam ser mais que máquinas fotográficas, já que muitos ficavam olhando para algo na pequena tela e a tocando com os dedos. “Uma máquina fotográfica com joguinhos, que demais!”, pensou, desaparecendo no meio da multidão.

No beco, o velho, magro e de cabelos brancos, começou a mexer no motor do carro. Olhava no relógio com frequência. Às vezes, erguia os olhos e tentava avistar o menino na praça, mas sempre que fazia isso parecia se lembrar de qualquer coisa que tinha esquecido e corria para outro ponto do carro, deixando os pensamentos sobre o garoto de lado.

Mas, menos de dez minutos depois, foi surpreendido pelo garoto, que voltava correndo para dentro do beco. Trazia uma revista nas mãos.

– Doc! Doc!

– Marty! Você já resolveu a questão do seu filho?

– Não, Doc! Nós estamos na época errada!

O velho fez uma careta e sentou-se rapidamente dentro do carro. Observando um contador instalado no painel, falou, talvez mais alto do que gostaria. Isso não surpreendeu o garoto, já que o seu parceiro parecia sempre falar mais alto que o necessário.

– 21 de outubro do ano 2015! Estamos no dia certo, Marty! Hoje é o dia que seu filho...

– Mas, Doc, olhe isso aqui!, o garoto interrompeu, estendendo a revista para o velho.

Afastando os cabelos brancos do rosto, o homem agarrou a publicação. Era sobre entretenimento.

– Olhe essa relação com os grandes filmes dos últimos anos!, o garoto explicou, apontando para uma matéria.

– Marty, entretenimento audiovisual ainda é muito usado em 2015. Isso é absolutamente normal.

– Eu sei, Doc! Mas olhe os filmes! Indiana Jones! Mad Max! O Exterminador do Futuro!

Ao ouvir esse nome, o velho ergueu os olhos.

– O Exterminador do Futuro. Hummm... Irônico. Talvez seja um sinal?

– Não é isso, Doc! Todos esses filmes são dos anos oitenta! Não é possível que não existam novos filmes em 2015!

– Mesmo?

– Sim.

– Mas eles podem ter recebido novas sequências, Marty! Hollywood sempre usou desse artifício para...

– Sim, Doc! Eu pensei nisso. Mas veja só! Esse é o quarto Indiana Jones. O quarto Mad Max. O quinto Exterminador do Futuro! Aqui nessa página diz que vai sair o terceiro Caça-Fantasmas!

– E daí?

– Se esses filmes tivessem ganhado novas continuações normalmente, eles já teriam pelo menos dez filmes! Mas são sequências diretas dos filmes dos anos 80. É como se...

O velho deu um salto, adivinhando a conclusão.

– Grande Scott! É como se os anos 90 e 2000 não tivessem existido!

– Isso, Doc. Barra-pesada, hein?

– Marty, quantas vezes eu preciso explicar para você que os acontecimentos temporais não interferem com a força gravitacional do planeta?

– Eu sei, Doc. Eu sei. Mas, mesmo assim... Nós estamos num 2015 que é baseado nos anos 80!

Passando a mão pelos cabelos, o velho pareceu enlouquecer com a ideia. Começou a andar apressado, quase correndo, de um lado para o outro no beco, fazendo contas e resmungando fórmulas, equações e teorias.

– Se nós saímos de 1985 e chegamos em 2015... Mas parece ser um 2015 totalmente inventado em 1985... É como se fosse 1986, mas com cara de 2015... Será que saltamos no tempo e levamos o mundo conosco? Não, impossível. Pense direito, Emmet!

Enquanto isso, o garoto continuou folheando a revista, aparentemente despreocupado – se ele havia aprendido algo em suas aventuras, é que o velho ao seu lado sempre teria uma resposta. Tudo o que ele precisava fazer era aguardar alguns minutos.

Mas logo ele viu algo em uma das páginas não podia esperar.

– Ei, Doc! Olhe você aqui!

O velho parou seus cálculos e olhou para o garoto.

– Tem uma foto sua aqui na revista! Você está recebendo um prêmio!

Arrancando a revista das mãos do garoto, o velho observou a foto e começou a ler trechos da matéria em voz alta.

– O Dr. Emmet Brown... Inventor do pau de selfie...

– O que é um pau de selfie, Doc?

– Não sei! Aqui não diz! Diz que eu ganhei um prêmio e fui condecorado, mas não menciona... Ah! Aqui! O Dr. Brown inventou um celular que identifica qual prato a pessoa está comendo, assim o usuário não precisa mais digitar a legenda quando postar a foto na internet. Na internet? Postar a foto na internet?!

De repente, tudo pareceu ficar claro para o velho. Entretanto, isso não fez com que ele se acalmasse. Pelo contrário, ficou ainda mais agitado, começando a correr de um lado para o outro no beco, balançando os braços e gritando sozinho.

– Grande Scott! A Internet! É isso!

Apanhando a revista do chão, o garoto ia perguntar o que era internet, mas reparou em um detalhe na foto. Algo que nenhum dos dois havia visto.

– Ei, Doc! O Einstein está com você na foto!

O velho arrancou a revista das mãos do menino e olhou a foto, mudando a expressão de susto para um rosto carinhoso. Essa era uma das suas maiores características: tudo o que ele sentia ou pensava parecia apagar qualquer coisa que estivesse sentindo ou pensando um momento antes.

– Ah, Einstein... Pelo menos você está aqui comigo nesse futuro negro... Sempre fiel, sempre lea...

Nova mudança. Desta vez, a expressão de amor deu lugar a um novo susto, ainda maior que o primeiro. O velho abriu a boca numa careta e deu um grito de espanto, antes de devolver a revista para o garoto.

– Marty! Olhe a coleira do Einstein! Olhe o nome dele!

O garoto aproximou a revista dos olhos e leu com cuidado. As letras eram pequenas, mas era possível ler com clareza.

– Quem é Bill Gates, Doc?

O velho não ouviu. Já estava agachado ao lado do carro, passando a mão na cabeça do cachorro e quase chorando, pedindo desculpas ao animal por ter escolhido esse nome. O garoto correu para o lado dele.

– Doc! Você pode me explicar o que está acontecendo aqui? O que é internet?

O velho olhou para o garoto, pensando em como começar sua resposta.

– Marty... Na segunda metade do século 20, a humanidade inventou a internet. Mas, no século 21, ela se tornou a principal forma de comunicação entre as pessoas, com todos os computadores e telefones interligados em uma enorme rede.

– Aquelas máquinas fotográficas são telefones?

– Isso. Na verdade, são computadores portáteis, que também fazem ligações telefônicas. Mas ninguém mais os usam dessa forma. O importante é que a internet começou a colocar em risco o desenvolvimento humano. As pessoas não faziam mais nada a não ser ficar com a cara enfiada na internet, olhando o que as outras pessoas estavam fazendo.

– Espere aí, Doc. Mas se ninguém estava fazendo nada...

– Exato! As pessoas ficavam sem fazer nada, olhando a vida de outras pessoas que não faziam nada porque estavam olhando a vida de outras pessoas que não faziam nada...

– Que barra pesada.

– Marty, eu já expliquei que...

– Eu sei, Doc! Continue!

– Com isso, a humanidade parou de se desenvolver! Toda a criatividade humana passou a ser minada! Toda a vontade de progredir começou a desaparecer! Por isso, na primeira década do século, um congresso mundial determinou que a internet fosse usada somente de forma produtiva. Qualquer outro tipo de uso foi proibido.

– Sério?

– Evidente! Eu mesmo fui um dos palestrantes! Mas, aparentemente, viemos parar num 2015 em que isso não aconteceu!

– É por isso que os filmes dos anos 80 continuam sendo feitos? E demoram vinte anos para serem produzidos?

– Isso. A criatividade humana está acabando. E esse é apenas um exemplo! A medicina, a matemática... Todas as ciências estão estacionadas! E as relações humanas...

O velho agarrou o garoto pelo colarinho e fez uma cara de terror.

– As pessoas não conversavam mais com as outras, Marty! Se você tinha uma opinião e ela era diferente da minha, tudo o que eu precisava fazer era bloquear você na internet e pronto! Isso foi evitado na nossa linha temporal, mas não nessa aqui!

– Que barra pes... Quer dizer, que horror, Doc. Como as pessoas vivem assim?

– Elas não se importam, porque estão com a cara enfiada na internet olhando as outras pessoas.

– Mas quem ganharia alguma coisa com isso?

O velho abriu a boca novamente numa cara de espanto e agarrou a revista das mãos do garoto. Folheou até encontrar novamente a página que mostrava a notícia sobre o prêmio que havia recebido.

– Aqui diz que eu ganhei a medalha Mark Zuckerberg! Isso pode ser uma pista!

– Quem é esse, Doc?

– Não faço ideia. Espere, vou pesquisar na internet.

Sacou o celular do bolso e digitou por um tempo.

– Malditas propagandas. Se a internet fosse usada somente para fins produtivos, eu não precisaria assistir anúncios de remédios contra a calvície e sites de encontros voltados à reprodução humana!

– Reprodução humana? Posso ver?

– Espere, Marty, estou pesquisando! Encontrei! Mark Zuckerberg! É o homem que manda na internet! Ele criou uma rede social que impede as pessoas de pensarem direito! Grande Scott! Nós estamos em um 2015 alternativo onde esse Zuckerberg deve ter impedido o Congresso Mundial de Internet!

Subitamente, o garoto arregalou os olhos. Era sua vez de assumir uma expressão de espanto.

– Espere aí, Doc, espere aí. Você disse Zuckerberg?

– Isso! Mark Zuckerberg!

– Esse é o nome de solteira da mãe de Biff!

– Tannen?

– Isso! A família usa o nome Tannen desde que chegaram ao país no século 19, mas o nome de solteira da mãe de Biff é Zuckerberg! Ele deve ter assumido esse nome para montar seu império!

– Grande Scott! Veja! Aqui está uma foto dele!

– Mas esse sujeito não parece o Biff. É mais magro.

– Deve ser Photoshop, Marty!

– Photo o quê?

– Um programa de manipulação de imagens! Aqui diz que Zuckerberg é recluso e não sai do seu prédio. Chama Palácio dos Prazeres Virtuais! Desde que ficou famoso, ele aparece apenas em fotos! Certamente se trata do Biff e as fotos são alteradas para não levantar suspeitas! Marty, precisamos ir embora daqui! Precisamos voltar ao passado, para corrigir esse erro!

Só então o garoto pareceu se lembrar do que haviam ido fazer ali, em primeiro lugar.

– Mas, Doc, e meu filho? Ele vai...

– Marty, se nós tivermos sucesso, essa realidade nunca vai existir. E tudo o que pode acontecer com seu filho aqui vai deixar de acontecer. Seu filho ainda vai passar por problemas, mas antes precisamos arrumar a linha do tempo para resolvermos os problemas do seu filho na linha do tempo correta! Caso contrário, vamos apenas aprofundar os erros temporais!

– Ei, Doc! Olhe ali os capangas do Biff!

– Eles não podem nos ver! Estão ocupados demais tuitando! Veja como olham para os celulares!

– Estão o quê?

– Depois eu explico! Vamos embora!

– Certo!

Entraram no carro e, enquanto o velho dava a partida, o garoto folheou as últimas páginas da revista, sem evitar um novo susto.

– Ei, aqui diz que o novo Star Wars vai ter um protagonista negro, e as pessoas estão querendo boicotar o filme por causa disso. As pessoas não deveriam se preocupar mais com isso em 2015.

– E elas não se preocupam, Marty! Não no 2015 normal, onde devíamos ter parado! Mas aqui, nessa linha temporal, o preconceito ainda existe, porque ele ganha força na internet! É por isso que precisamos acabar com essa linha do tempo! O Biff está usando a internet para manter a sociedade presa nos anos 50!

– Que barra pesada.

– Sim, Marty! Desta vez sou obrigado a concordar! A humanidade está regredindo cada vez mais, e ele está enriquecendo com isso. Segure-se, Marty! Vou decolar com o DeLorean!

O garoto fez menção de jogar a revista de lado, mas sem querer correu os olhos pelo anúncio da última página e não conseguiu manter sua excitação.

– Ei, Doc! O Van Halen ainda toca! Será que não dá pa...

– Marty, largue essa revista!

– Certo, Doc!

– Vamos embora. Para onde vamos, não precisamos de estradas. Mas, se falharmos, a estrada da humanidade vai ser a mais difícil que existiu.

– Maldito Biff.




(Um agradecimento especial ao @vuintrieri, cujos comentários sobre o texto, antes da postagem, o tornaram muito melhor que o planejado.)

5 leitores:

Daniele disse...

Muito bom! Adorei:)

Juliana disse...

vcs dois <3

Marcos Bonilha disse...

Aplaudindo. De pé!

Juba disse...

Tá explicado! Essa família Tannen...

Juninho Souza disse...

Totalmente excelente! Muito, muito bom!

 

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