30 de agosto de 2015

Ruídos

Andou pela cidade apenas tentando imaginar o rosto dela.

Atravessou multidões que não diziam nada de forma ensurdecedora e o barulho de carros que cuspiam fumaça invadiu seu cérebro feito posseiro decidindo que ali é seu lugar. Desesperado, correu para baixo da terra, descendo as escadas do metrô. Mas foi em vão: logo não conseguia mais escutar a si mesmo, pois seus pensamentos se diluíam em músicas gritadas de telefones e trechos de conversas cinzentas sobre um cotidiano sem paixão. Quando uma voz se sobrepôs às outras anunciando uma estação qualquer e a saída pela direita do trem, escapou e subiu as escadas de dois em dois tentando fugir dos ruídos. Atravessou a rua cercado de buzinas que ordenavam que se afastasse de uma vez, e, sedento por silêncio, entrou em um bar para beber um copo de suco, mas a música alta e estridente retirou o sabor da bebida e a gargalhada estridente da mulher na última mesa o deixou tonto e correu de volta para a rua. Entrou no primeiro ônibus que passou em sua frente e foi obrigado a ficar perdido no meio da conversa entre o motorista e o cobrador, cercado de frases que não diziam nada. Desceu e resolveu ir a pé, passando por motores de uma obra que já deveria ter terminado, desviando de freadas de carros que não se importam com quem está ao lado, e pulando o choro da criança que deseja apenas a atenção da mãe que não larga o telefone. Sorriu em silêncio quando conseguiu avistar seu prédio. O porteiro o cumprimentou por trás da pequena televisão no volume máximo, e ficou cercado de dois amigos que sonhavam com uma noite agitada e cheia de barulho no elevador e finalmente entrou no apartamento fechando a porta para se libertar do barulho de fritura do apartamento do lado.

E pegou o telefone e ligou para ela. Quando ela atendeu, tudo o que ele fez foi pedir.

– Fale comigo. Não importa o assunto. Apenas fale, por favor.


Porque ele adorava a paz do silêncio que existia apenas na voz dela.

3 leitores:

Varotto disse...

Perfeito.

Varotto disse...

Perfeito.

Cesar da Mota Marcondes Pereira disse...

Mágico...
Isso é o "viver a dois" que espero pra mim ;)

 

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