9 de abril de 2015

Vícios de Linguagem

Subiu para cima no morro até chegar à pequena casa azul. Entrou para dentro dela e deu de cara com dois homens: um gordo acima do peso, sentado numa cadeira, e um negro de pele escura. Quem falou foi o negro.

– Fala aí.

O homem puxou o dinheiro do bolso e colocou na mesa.

– Me dá um papelote de pleonasmo para mim.

– Pleonasmo não tem.

– Como assim?

– Não tem. Acabou.

– Como eu vou fazer? Não consigo ficar sem, é vicioso.

O gordo acima do peso coçou as costas, indicando que não podia fazer nada a respeito. Mas o sujeito não desistia.

– E barbarismo? Tem?

– Qual barbarismo você quer?

– Qualquer um. Pode ser semântico.

– Semântico não tem. A polícia tá em cima de quem faz tráfego de barbarismo semântico. Nem mexo mais com isso.

– Porra. E cacografia? Tem?

– Advinha.

– Merda. Cacoépia?

– Também não. Eu tinha aqui, mas começou a dar poblema, aí parei.

– Porra, eu preciso de algo. Baita fissura.

– Olha, tem silabada, se você quiser.

– Eu quero. Quanto é?

– Cinco.

– Dá duas parangas de silabada, então.

– Beleza. Mas primeiro você precisa colocar sua rúbrica aqui.

– Que rúbrica?

– Para registrar a comprar. Porque eu preciso mostrar pro meu chefe.

– Porra, não quero assinar nada.

– Vai ter que assinar. Ou não vai querer pagar também?

– Bom...

– Se quiser comprar silabada, precisa da rúbrica. Isso aqui é meu negócio, cara. Não sou filântropo.

 – Beleza.

Pegou o papel e rabiscou seu nome. O gordo acima do peso explicou.

– Não é nada com você, cara. Mas silabada deu erro aqui, um dia que uma mina comprou e rodou lá embaixo, quase deu merda para nós.

O negro de pele escura deu um sorriso e falou pela primeira vez.

– Também... Ela escondeu a silabada no clítoris. Burra demais.

– Beleza. Me dá dois aí.

Pagou e colocou as parangas no bolso. Quando estava indo embora, lembrou-se de algo importante.

– Ah, estava esquecendo. Outra coisa que vou estar querendo é gerúndio.

– Eu vou estar devendo. O gerúndio esteve acabando.

– Porra, eu estava bem a fim.

– Olha, se você quiser, tem queismo.

– Não, queismo é muito pesado para mim. Eu tenho um amigo que trabalhava comigo e que usava queismo e que um dia um queismo que não estava bom e que fez ele quase morrer.

– Sim, sim. Queismo é perigoso mesmo.

– Agora, se você querer, tem um pouco de barbarismo morfológico.

– Não, deixa. Vou levar só isso aqui.

– Então está bom.

Fechou a porta e saiu para fora da casa. Começou a descer o morro para baixo, mas mudou de ideia e voltou a subir para cima, até chegar a outra casa. Não queria desistir, sua vontade mesmo era de pleonasmo. Era vicioso demais.

2 leitores:

Cesar da Mota Marcondes Pereira disse...

Despretensiosa, didática e leve.
Quando eu crescer, escreverei tão bem quanto você!!

Abraço!!

Varotto disse...

Pode ficar esse meu pleonasmo redundante, que não estou usando:

Texto foda do Rob.

 

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