Este texto é o quarto de uma série. A ideia – ambiciosa e sugerida
pelo leitor @cmmarcondes – é desenvolver este conto conforme o Brasil avança na
Copa. A cada jogo do Brasil, a história ganha um novo desenrolar, um novo
capítulo, que não apenas acompanha o desempenho da seleção na Copa, como mostra
de que forma cada jogo reflete em seus personagens.
Para ler Débora e a Croácia, clique aqui.
Para ler Débolta e o México, clique aqui.
Para ler Débora e Camarões, clique aqui.
Para ler Débolta e o México, clique aqui.
Para ler Débora e Camarões, clique aqui.
Antes da Copa, eu gastei um bom tempo estudando os grupos,
quem poderia se classificar e quais times poderiam cruzar o caminho do Brasil.
Assim, eu sabia que tínhamos uma grande chance de enfrentar o Chile nas oitavas
de final.
Dito e feito. Após a vitória contra Camarões, o time que
havíamos eliminado em outras três Copas do Mundo surgiu novamente em nosso
caminho. Eu estava ansioso, claro, mas por ser um jogo eliminatório, e não pelo
fato de ser o Chile. Certo, o time do Chile era ajeitadinho, mas sejamos
sinceros: era o Chile. Ou seja, era um daqueles jogos de oitavas de final que o
Brasil passa tranquilamente, sem grandes sustos na torcida.
Por isso, se alguém tivesse falando para mim antes do jogo
que a partida seria resolvida somente nos pênaltis eu teria dado risada na cara
dela. Isso nunca iria acontecer. Agora,
se essa mesma pessoa dissesse, logo em seguida, que eu não assistiria à disputa
de pênaltis, eu partiria do princípio que ela era louca e a deixaria falando
sozinha.
Brasil envolvido numa disputa por pênaltis na Copa do Mundo
e eu longe da TV?
Nunca. Impossível.
Se bem que se, algumas semanas atrás, alguém me dissesse que
durante a Copa do Mundo a Débora estaria tão presente na minha vida – ou, ao
menos, tão presente na minha cabeça – quanto na época em que nós namorávamos,
eu também teria achado loucura.
Certo, eu já havia quebrado alguns dos meus hábitos nesta
Copa do Mundo, especialmente o fato de não assistir a jogos do Brasil em bares.
Mas eu tinha uma boa desculpa para isso: eu havia feito isso primeiro pelo
Batata, e depois por causa da Débora. Ou seja, a culpa não era minha. Mas
assistir aos jogos do Brasil no bar era uma coisa; não assistir à disputa de
pênaltis seria outra totalmente diferente. Se o jogo fosse para os pênaltis – e
não iria, porque, mais uma vez, era o Chile – nada nem ninguém me tiraria da
frente da televisão.
Na verdade, eu estava até mesmo inclinado a não ir ao bar e
assistir aos jogos em casa. Dos três jogos que eu assisti no bar, o Brasil
havia jogado bem somente em metade de um deles. Dentro da minha cabeça, o fato
de eu não estar em casa sozinho como nas outras Copas tinha uma grande relação
com isso.
Explicando melhor: se eu estava no bar, é porque eu não
estava mais levando a Copa a sério. E se eu não estava levando a Copa a sério,
então o time também não precisava levar a Copa a sério. Parece loucura? Mas é
isso que diferencia o torcedor de futebol do torcedor de Copa.
O torcedor de Copa quer que o Brasil ganhe, mas não sabe ao
certo o motivo disso. Ele quer que o Brasil ganhe porque ele é brasileiro,
porque ele vai comemorar com os amigos, porque é bom ver o Brasil ganhar,
certo? Agora, o torcedor de futebol quer que o Brasil ganhe por um único
motivo: ele sabe que a dor da derrota é grande demais para ser suportada. Ele
não necessariamente sonha com a vitória, mas ele tem pesadelos com a derrota.
Por isso que o verdadeiro torcedor de futebol nunca está
otimista, nunca está satisfeito com o time, nunca está acenando para o telão no
estádio. Porque o torcedor de futebol sabe – melhor que qualquer outra pessoa
no mundo – que a derrota está logo ali, rondando o estádio e esperando o melhor
momento de atacá-lo e estilhaçar seus sonhos, sem ter escrúpulos de usar um
pênalti duvidoso, uma expulsão infantil ou o erro de um zagueiro para isso.
Justamente por isso eu acordei no dia do jogo contra o Chile
disposto a me dedicar somente à Copa do Mundo. Passaria a manhã em casa,
quieto, em silêncio, me preparando para o jogo. Almoçaria algo leve, desligaria
meu telefone e sentaria para ver o jogo sozinho, sem barulho, sem algazarra. Sem
Débora. Afinal, não era mais um simples jogo de Copa. Era um jogo de oitavas de
final – e a chamada da televisão anunciando o horário do jogo e insistindo em jogar
que “agora, quem errar está fora” na minha cara a cada quinze minutos, deixava
isso claro.
Por outro lado, a briga da Débora com o namorado dela também
não saía da minha cabeça. Por mais que eu não tivesse evidência alguma disso,
era evidente que a briga tinha um único motivo, e este motivo era eu. E, por
mais que isso me deixasse sentindo uma ponta de orgulho – nenhum casal briga
por causa de uma terceira pessoa a não quer que essa terceira pessoa tenha
alguma importância – era um motivo a mais para eu assistir ao jogo em casa.
Não se tratavam de questões morais, mas simplesmente
supersticiosas: se eu não fosse ao bar, a Débora e o namorado dela não
brigariam; se eles não brigassem, é porque eu não teria feito nada de errado.
E, se eu não fizesse nada de errado, o Brasil ganharia e o jogo seria
tranquilo, porque eu mereceria isso.
Ou seja: eu estava trocando ver o jogo perto da Débora pela
vitória do Brasil, mas da mesma forma que uma criança que, com medo de não
ganhar presente de Natal, acorda no dia 24 de dezembro decidido a se comportar
somente para limpar sua barra com o Papai Noel e encontrar um embrulho enorme e
colorido embaixo da árvore, algumas horas depois.
Caso você esteja pensando que isso é bobagem da minha
parte... Bem, eu tenho a certeza de que você já pensou bobagens piores e apenas
não contou para ninguém. Aliás, esta é a grande vantagem das bobagens: algumas
delas só se tornam bobagens de verdade quando você fala sobre elas para outra
pessoa. Enquanto elas estão escondidas dentro da sua cabeça – seja no banho, almoçando
sozinho, pouco antes de cair no sono ou (no meu caso) horas antes de um jogo
eliminatório de Copa do Mundo – elas não são bobagens, mas sim pensamentos que
fazem todo o sentido do mundo, e nos quais você se agarra como se fossem
verdades absolutas ao menor sinal de problemas.
Mas claro que bobagens não são à prova de falhas. Por
exemplo: eu sabia que não conseguiria ficar sem pensar na Débora antes do jogo
começar. Ou seja, o que eu devia ter feito? Pensar no fato de que ela estava
namorando, que a briga dela com o namorado não era problema meu, que o melhor
que eu deveria fazer era ficar no meu canto e esperar a poeira baixar, sem
arrumar problemas para o meu lado. Se eu fizesse isso, tenho certeza que em
meia hora já teria deixado a Débora de lado e estaria na internet pesquisando
os resultados dos últimos trinta jogos da seleção chilena e pensando somente no
jogo.
Mas o que eu fiz? Eu não pensei na briga, não pensei no
namorado da Débora, não pensei na
Débora-que-namorou-comigo-mas-hoje-namora-outro-cara. Não.
Eu pensei apenas na Débora.
Assim, se perto das dez horas da manhã eu estava determinado
a aprender mais sobre o meio de campo do Chile, pouco depois eu já estava no
computador sem conseguir me concentrar. As notícias sobre o jogo se misturavam com
a Débora. Aliás, não somente com a Débora, mas com as Déboras: a Débora que eu
havia namorado e a Débora que estava no bar, a poucos metros de mim, nos outros
jogos do Brasil.
Então o jeito que ela sorriu para mim quando eu segurei sua
mão pela primeira vez se misturou com o jeito que ela sorriu para mim quando me
reencontrou no bar que se misturou com o jeito que ela olhava diretamente para
dentro dos meus olhos quando ficamos colados um no outro, no corredor do
banheiro do bar, que se misturou com o modo como ela disse “eu te amo” pela
primeira vez para mim, como despedida no final de uma festa e sussurrado no meu
ouvido antes de sair correndo para o carro do pai, que se misturou com os olhos
cheios de lágrimas da briga dela com o namorado.
Dentro da minha cabeça, todos esses olhares e sons e
memórias vestiam a camisa do Chile e estavam trocando passes rápidos na área do
Brasil, esperando o momento de chutar em direção ao gol. E eu era o único
zagueiro presente e precisava ignorar o fato de que meu estômago estava se
retorcendo de ansiedade e de saudade e matar a jogada de alguma forma.
E a maneira que eu encontrei foi desligar o computador e
entrar no elevador. As memórias ainda estavam trocando passes dentro da área e
eu estava caminhando rápido, a caminho do bar, determinado a encontrar a Débora
e falar que ela era a mulher da minha vida, que eu havia procurado uma Débora
em todas as pessoas que apareceram na minha frente, que esse cara que você
namora pode até gostar de você, mas ele não te entende e ele nunca vai entender
você.
Para aplacar a ansiedade, liguei para o Batata. Ele atendeu.
Já no bar. Já meio alto. Eu não sei como o Batata aguentava beber daquele
jeito. Acho que desde que a Copa começou, ele não havia encontrado tempo para
ficar sóbrio, indo de um porre para o outro mais rápido do que o Brasil fazia a
bola ir da defesa para o ataque.
Aliás, acho que todo o dinheiro que o Batata ganhava na vida
era gasto naquele bar. Ele estava sempre ali, a ponto de ser o único cliente do
bar que o dono e os garçons conheciam de nome. Com quase 2 metros de altura e
mais de 100 quilos, muitas pessoas acreditavam que o Batata era segurança do
bar, até olhar melhor e ver que ele estava sempre bêbado demais – sempre se
apoiando numa parede, sentado de qualquer jeito numa cadeira ou voltando com
novas garrafas do balcão – para trabalhar ali.
Quando cheguei ao bar, vi que o Batata já estava ali faz
tempo, pelo volume de garrafas na mesa.
– Que horas você chegou aqui?
– Cheguei ontem à noite.
– Como assim?
– Fiz amizade com uns holandeses e viemos para o bar. Aí
começamos a beber e ficamos aqui até a hora do bar fechar. Mas aí falei com os
garçons, fechamos o bar com os holandeses aqui dentro e ficamos bebendo com o
bar fechado.
– Você tá bebendo desde ontem?
– Não, eu parei. Esses holandeses são foda, não dá pra
acompanhar os caras. Quando eram umas quatro horas, capotei ali numa mesa.
Acordei depois das oito. Os holandeses tinham ido embora, mas como eu sabia que
você vinha pra cá, fiquei direto aqui te esperando.
– Você está bebendo desde a hora que acordou? Isso vai te
matar ainda.
– Não, não. Depois de acordar, mandei um salgado e três
latas de Coca, aí fiquei legal. Comecei a beber já eram umas dez horas.
Dei de ombros e sorri. Discutir com o Batata seria perda de
tempo. Além disso, eu estava mais preocupado em olhar ao redor e encontrar
algum sinal da Débora no bar. Não vi nada, mas não me preocupei. Primeiro,
porque tive certeza de que logo mais ela apareceria no bar. Segundo, porque os
times estavam entrando em campo.
Quando o jogo começou, todas as pessoas que estavam no bar
se amontoaram na frente da televisão, como nos outros jogos. Ou seja, seria
ainda mais difícil encontrar a Débora – e totalmente impossível ver se ela
estava na calçada. Mas eu não estava mais pensando nisso. No momento que o juiz
apitou, meu estômago se retorceu e eu senti aquele misto de ansiedade e
nervosismo que eu nunca vou me acostumar, mesmo sentindo isso a cada quatro
anos desde que me conheço por gente.
Mas, em poucos minutos, eu relaxei. O Brasil jogava muito
mais que o Chile. Na verdade, o Brasil mandava no jogo, deixando claro que o
gol era questão de tempo. O time do Chile não era ruim – pelo contrário – mas o
Brasil estava jogando como o Brasil. Não o Brasil que nós torcedores achamos
sempre insuficiente e que será desmascarado em breve, mas sim como aquele
Brasil que os torcedores dos outros times aprenderam a temer desesperadamente.
Não deu outra. De repente, bola cruzada na área, na direção
do David Luiz. O zagueiro chileno se atrapalha e empurra a bola para dentro
do próprio gol. Quando eu gritei gol ouvi minha própria voz e só então percebi
que berrei com raiva, mostrando que eu estava muito mais nervoso do que
imaginava.
Agora, se eu podia relaxar um pouco com o placar aberto, o
mesmo não podia acontecer com o time. Mas foi o que aconteceu. Hulk devolveu um
lateral curto demais (eu xinguei), os chilenos roubaram a bola (eu xinguei
ainda mais alto), entraram com ela na área (eu gritei desesperado no bar) e
enfiaram dentro do gol (e eu soquei a mesa).
Um a um. Por culpa nossa. Um a um.
Passado o choque do gol, eu me acalmei. Erros acontecem, eu
resmunguei para mim mesmo. Bastava jogar a bola que estava jogando antes e vai
ser três ou quatro a um. Bastava jogar bola. Bastava jogar bola e não errar.
Mas o impensável aconteceu: o Chile começou a jogar como o
Brasil, e o Brasil começou a jogar como o Chile. Mas não como “o melhor Chile
de todos os tempos” e sim como um Chile qualquer, um Chile daqueles que não põe
medo em ninguém não passa da primeira fase de uma Copa América.
Por isso que eu suspirei, aliviado, quando o primeiro tempo
acabou. O intervalo seria essencial para ajustar o time e fazer as coisas
voltarem ao normal. Aproveitei e fui até o banheiro, procurando a Débora pelo
bar. Nada. Passei pelo corredor do banheiro e torci secretamente para ela estar
ali, escondida, me esperando, mas nem sinal dela. Ao voltar para a mesa, fiz o
caminho mais longo possível procurando por ela ou pelo imbecil do namorado dela
– dei um jeito de passar perto da calçada, estudando quem estava do lado de
fora do bar – mas não vi ninguém. Ou a Débora não estava no bar, ou eu não
havia a encontrado.
Não. Era a Débora. Eu teria encontrado.
Ela não estava no bar.
Voltei para a mesa quando o segundo tempo estava começando e
o Batata estava abrindo sua quinta ou sexta cerveja. Ele ainda estava na mesma
garrafa quando cruzaram a bola para o Hulk, ele foi chutar e pegou errado na
bola, de joelho, fazendo aquele que talvez seja o gol mais ridículo de uma Copa
do Mundo. Eu não me importei. Quando a bola entrou no gol, eu dei um pulo e um
grito – e ainda estava no ar berrando quando o juiz anulou o gol.
Foi uma balde de água fria. Nem tanto pelo gol anulado, mas
pela forma que ele aconteceu. De repente, ficou claro para mim que se nem um
gol sem querer o Brasil conseguia fazer, é porque as coisas estavam feias
demais.
E de repente eu comecei a me lembrar de todas as eliminações
que vi o Brasil sofrer em Copa do Mundo. Percebi que estava procurando algum
indício, alguma pista de algo que eu tivesse visto (ou sentido) naqueles jogos
e que eu não estava vendo durante o jogo contra o Chile, para alimentar o sonho
de que “o time vai melhorar, vai marcar mais um ou dois gols e pronto”. Mas as
minhas teorias em busca de encontrar um padrão nas eliminações anteriores do
Brasil foi por água abaixo quando o Batata disse que
– Esse time tá jogando mal, hein?
Eu suspirei. Se até o Batata havia percebido, é porque
estava jogando mal de verdade. Já o Chile fazia o que eu faria no lugar do
Chile: ficava quieto, tocando a bola e esperando o Brasil errar. E o Brasil só
não errou por questão de tempo. Pois o juiz apitou e o primeiro jogo das
oitavas de final da Copa, aquele que tinha o Brasil, o grande time a ser
temido... Iria para a prorrogação.
E nada da Débora.
O bar ficou em silêncio, como se temendo pelo pior. Eu
sentia apenas um pequeno vazio, quase uma amostra do que eu sentiria caso o
Brasil fosse eliminado.
E o vazio começou a crescer conforme o time voltou sem fazer
muita coisa. Chegava a atacar em alguns momentos, mas não levava perigo ao gol.
Neymar havia desaparecido em campo, levando com ele o meio de campo que havia
voltado a não existir. O Brasil vivia de chutões da defesa para o ataque, que
agora tinha Jô. Fred não havia feito nada e saído para dar lugar a Jô, que não
fazia nada.
E o Chile ali, passando a bola e esperando por um erro,
escrevendo a cada passe a crônica de uma morte anunciada.
E a Débora não aparecia no bar.
Mas a morte não se concretizou até o final do primeiro tempo
da prorrogação. Impaciente, decidi ir até o banheiro mais uma vez, somente para
esticar as pernas um pouco. Minhas costas doíam de tensão, e eu aproveitei para
jogar uma água no rosto. Saí do banheiro apressado, com medo de perder o começo
do segundo tempo da prorrogação...
E dei de cara com o namorado da Débora.
Ele estava parado no meio do bar, exatamente entre o
banheiro e a mesa que eu estava com o Batata. Atrás dele, três amigos dele –
dois eu reconheci dos outros dias. Todos olhavam fixamente para mim.
Quando eu percebi que eles estavam ali, era tarde demais
para desviar o caminho. Olhei para a TV, na parede á minha direita, e tive a
impressão de que o segundo tempo da prorrogação estava começando. Tudo o que eu
podia fazer era atravessar no meio deles. Assim, pedi licença e dei um passo à
frente...
Mas o sujeito não se moveu um centímetro. Ao invés disso,
ele colocou um dedo no meu peito e disse:
– Tá procurando minha namorada?
Senti um frio na barriga e um filete de suor escorreu pelas
minhas costas, me deixando com a certeza de que ia dar merda. Afinal, o sujeito
estava com mais três amigos. Se você vai tirar satisfações com alguém sozinho,
é porque, por bem ou por mal, você quer esclarecer o assunto. Agora, quem leva
três amigos a tiracolo já saiu de casa disposto a fazer dar merda.
Olhei de relance para a TV e o Chile estava atacando. Aquilo
não ajudou, mas eu tentei manter a calma. Os amigos dele davam risadinhas e não
tiravam o olho de mim.
– Eu não sei do que você está falando.
Ele não tirou o dedo do meu peito.
– Responde! O que você quer com a Débora?
Eu olhei do rosto dele para o dedo dele, e do dedo dele para
o rosto dele.
– Cara, eu não te conheço e não sei qual seu problema. Eu só
quero voltar para lá e ver o jogo.
Ele apertou o dedo no meu peito, me empurrando. Desta vez,
ele gritou.
– Qual é a sua, seu babaca?
Eu respirei fundo. Eu estava com medo? Claro que estava. Nem
tanto pelo cara, mas pelos amigos dele. Mesmo se eu derrubasse o namorado da
Débora, os outros partiriam para cima de mim e eu ia tomar um pau absurdo ali.
Arrisquei.
– Cara, se você quer se resolver comigo, ok. Mas tira seus
amigos do bar e vem falar comigo.
As risadinhas aumentaram e eu me senti como a criança que
enfrenta sozinha a gangue de valentões em qualquer filme da Sessão da Tarde.
Ele respondeu.
– Meus amigos vão ficar aqui mesmo. Vamos ver se você é
homem mesmo.
De repente, o bar inteiro gritou. Algo estava acontecendo no
jogo e eu estava perdendo. Dei um tapa na mão dele e tentei escapar para o
lado, mas ele estava esperando para isso e seu punho voou na direção do meu
rosto. Fugi o corpo o suficiente para pegar de raspão, mas eu senti o impacto.
Dei um passo para trás e olhei na direção dele. Os quatro
estavam prontos para pular em cima de mim quando ouvi um grito. Tudo aconteceu
rápido demais. Uma cadeira – não aquelas leves, de metal, mas uma de madeira –
voou pelo bar e atingiu os amigos do namorado da Débora, derrubando dois deles.
Imediatamente atrás da cadeira veio o Batata.
Antes que o namorado da Débora e seus amigos percebessem o
que havia acontecido, o Batata já estava ajoelhado em cima de um deles, dando
murros na boca do sujeito. O namorado da Débora aproveitou a confusão e veio
para cima de mim, dando um murro na minha boca. Desta vez, ele acertou. Senti o
gosto de sangue esquentando minha boca e meus lábios incharam na mesma hora.
Mas não parei para pensar sobre isso e fiz a única coisa que
eu podia: dei um chute em suas bolas como se a vitória do Brasil dependesse
disso. Ele se curvou para frente e, sem me preocupar se daria merda ou não, levantei
meu joelho com tudo, acertando sua boca em cheio. Ele perdeu o equilíbrio e foi
para trás, caindo por cima do Batata e rolando para o chão.
Mas o outro amigo dele – o que havia sobrado de pé – já
estava em cima de mim. Eu e ele nos atracamos e caímos no chão, derrubando uma
mesa. Percebi que o bar inteiro estava ao nosso redor, gritando por causa da
briga ou por causa do jogo, enquanto eu tentava proteger meu rosto dos murros
do sujeito. Mas ele era rápido e, de cada três socos, um acertava em mim e eu
não conseguia reagir.
Foi quando ele se afastou de mim, de forma desajeitada. Eu
demorei alguns instantes até entender que ele estava sendo erguido pelo Batata
que, depois de cobrir o outro amigo do namorado da Débora de socos, percebeu
que eu estava em apuros e partiu em meu socorro. Pego de surpresa, o sujeito
não pode reagir. Do chão, eu vi o Batata erguendo o sujeito acima do ombro e
arremessando o cara no meio do bar, sobre uma mesa que tinham seis meninas que
levantaram gritando assustadas.
Me levantei rapidamente e fiquei de frente com o namorado da
Débora, que já estava de pé esperando por mim. E, de repente, toda a tensão que
eu havia guardado por causa do jogo se transformou em raiva e eu explodi.
Peguei uma cadeira e levantei ela sobre meu ombro, me preparando para acertar a
cabeça dele. Ele limpou o sangue da boca e gritou.
– Vai vir com a cadeira? Não é homem de vir sozinho?
Minha raiva aumentou e eu respondi com um palavrão. O
sujeito vinha com mais três amigos me pegar e eu era o covarde? Joguei a
cadeira na direção dele, acertando no meio do seu peito e fazendo com que ele
caísse novamente.
Agora ele estava sozinho. Um amigo dele estava nocauteado no
meio do bar, outro estava deitado no chão, aos meus pés, gemendo, depois de
apanhar do Batata. O terceiro não estava em lugar algum por perto.
Provavelmente havia fugido. Mas não pensei nisso, pensei apenas em socar a cara
daquele sujeito até destruir minha mão. E já estava indo na direção dele quando
alguém segurou meu braço.
Me preparei para socar quem estava segurando meu braço, mas
olhei para trás e vi o Batata.
– Vamos embora! A polícia está chegando!
– Me deixa! Eu vou matar aquele filho da puta!
O Batata apertou meu braço, para evitar que eu escapasse.
– Vamos embora que vai dar merda!
Eu respirei fundo e limpei o sangue da boca. Ele tinha
razão. Mas estávamos no fundo do bar. Se a polícia estivesse chegando para
resolver a briga, nunca conseguiríamos driblar a multidão para sair do bar a
tempo. Como se estivesse adivinhando meu pensamento, o Batata me puxou para o
corredor do banheiro.
– Vem por aqui!
Entramos no corredor. Eu tentei virar a cabeça para ver a TV
e algum indício do que estava acontecendo com o jogo, mas não consegui enxergar
nada. Andamos pelo corredor, passamos pelos banheiros e entramos na última
porta, que dava para um pequeno quintal, aberto e com muros de cimento, que o
dono do bar usava como depósito.
Guiado pelo Batata, subi em uma pilha de engradados de
cerveja. Ele veio atrás de mim e pulamos o muro, caindo no telhado de um galpão
que ficava atrás do bar. Andamos com cuidado pelo telhado até o outro lado do
quarteirão, quando chegamos ao fim do telhado.
– Desce por aqui, tem um muro aí embaixo que dá para apoiar
o pé.
– Como você sabe dessa merda?
– Ah, eu já fugi do bar antes. O dono sabe que eu saio por
aqui às vezes.
O Batata deixou a entender que não explicaria porque já
tinha fugido do bar e eu resolvi não perguntar. Mas ele estava certo. Me
debrucei no telhado, procurei o muro com o pé, e quanto consegui apoiá-lo,
larguei o corpo. De lá, pulei para a rua. O Batata veio atrás de mim.
A rua estava deserta e eu ouvi uma sirene ao longe.
Provavelmente, no bar.
Mas eu precisava saber do jogo. Corremos em direção ao meu
prédio. Minha boca doía, minha mão também. De vez em quando, eu ouvia gritos de
comemoração ou palavrões raivosos vindos das casas e dos prédios.
O jogo havia ido para os pênaltis.
E eu não fazia ideia do que estava acontecendo. Corria com o
Batata ao meu lado, tentando traduzir os gritos em alguma espécie de placar, mas
era impossível fazer as contas e saber quem havia acertado e quem havia errado.
Assim que cheguei ao meu prédio, o porteiro abriu o portão e
eu invadi a guarita. Eu sabia que ele tinha uma TV ali, e ele tomou um susto ao
olhar para mim. Eu devia estar mais feio do que imaginava.
– O que aconteceu com o senhor? Essa cara toda arrebentada
– Nada, nada! E os pênaltis?
– Tá por esse! Júlio Cesar pegou dois, o Brasil perdeu dois.
Tá por esse. Tem que errar.
Como se obedecendo magicamente a frase do meu porteiro, a
bola explodiu na trave. O país inteiro gritou, e eu e o porteiro e o Batata gritamos
juntos, nos abraçando como se o Brasil tivesse sido campeão.
No meio de um abraço, aproveitei para agradecer o Batata
pela ajuda na briga. Ele fingiu que não era com ele, e respondeu um “relaxa,
cara”. Me despedi do porteiro e disse ao Batata que devíamos subir para dar um
jeito nos machucados – o Batata também estava com um arranhão na cara e a mão
toda ensanguentada.
– Você tem cerveja lá em cima? Senão a gente sai pra
comprar.
No caminho do elevador, o Batata ainda me perguntou:
– Essa sua ex-namorada... Vale a pena tudo isso?
Eu olhei para o Batata e não disse nada.
Apenas sorri.
– Então beleza, ele respondeu, sorrindo de volta e dando de
ombros.
E, naquele momento, eu percebi que o Batata seria meu amigo
para sempre. Porque se amigo é aquele que entra numa briga de bar por sua
causa, irmão é aquele que entende o que você diz mesmo quando você não diz
nada.
Para ler Débora e a Colômbia, clique aqui.
Para ler Débora e a Colômbia, clique aqui.
8 leitores:
Olha, Rob, eu tinha escrito um comentário gigante sobre esse texto. De como você consegue colocar situações tão familiares a todos nós nas suas histórias, de como você consegue escrever de forma tão fantástica, que não dá pra desgrudar os olhos do texto e blablablablabla.
Mas só dá pra dizer uma coisa: Sensacional.
Gostei do Batata desde o início, mesmo sem ele entender nada de futebol! =D
Muito bom. A Debora é como se fosse a tão sonhada taça da Copa. Ta dificil, tem tido lutas mas a taça vai chegar, e a Debora também. Assim espero,rs.
Genial!
Este é,junto com o texto do México, um dos melhores da série. E gosto cada vez mais do Batata (ele merece um spin -off pra ele não é não?)
Queremos Débora!
Estou completamente apaixonada pela série. Até me peguei pensando "por favor, que não seja a última vez da Débora no bar" no último jogo haha. E achei esse o melhor até agora, embora não tenha tido Débora. Enfim, maravilhoso. Já ansiosa pelo próximo!
Eu nunca comentei por aqui mas... Puta texto do caralho, pqp kkkkkkkkkkkkkkkkkkk... Sensacional. Sem palavras.
Postar um comentário