Deixou o texto pela metade e saiu de casa.
No caminho até o ponto de ônibus passou em frente a uma loja
de aparelhos eletrônicos e viu a presidente numa televisão na vitrine,
discursando sobre as novas medidas econômicas. Desviou das pessoas que
protestavam contra o governo enquanto ouviam o pronunciamento e apertou o passo
até o metrô. No meio do caminho, foi obrigado a atravessar a rua para desviar
de um protesto contra a Copa do Mundo, com manifestantes se engalfinhando com
policiais militares. Mas viu que a rua de baixo estava tomada por outro
protesto, este contra a violência usada pelos policiais para reprimir as
manifestações sobre Copa do Mundo.
Precisava chegar até o metrô. Não estava atrasado, mas não
queria esperar mais. Decidiu atravessar a manifestação contra a polícia
militar, que parecia ainda mais tranquila. Mas, no meio do protesto, dois
manifestantes caíram na sua frente trocando socos, cada um gritando que o
partido adversário havia roubado mais dinheiro público. Segundos depois, a
briga da dupla se espalhou como se levada pelo vento e se tornou generalizada.
Centenas de pessoas brigavam ao seu redor, trocando socos e ideologias
políticas aos berros.
Correu para escapar do tumulto. Dobrou a esquina, deixando
para trás o grupo de pessoas que perseguiam na calçada um menino acusado de
roubar uma laranja, pulando um repórter que sangrava após ser atingido por uma
pedrada, o ativista que protestava pelos direitos dos animais. Passou incólume
pelo grupo de gays que andavam em grupo para garantir sua própria segurança,
pelo policial que enquadrava um engraxate.
Viu o metrô na outra esquina. Começou a correr e passou pelo
traficante que era contra a legalização das drogas, pelo empresário que era
contra o traficante, pelo universitário que era contra o empresário, pelo
governo que era contra o universitário, pela oposição que era a favor do
governo, pela polícia que era contra o traficante, até chegar ao metrô e
descobrir que a estação estava fechada por conta de protestos e falha mecânica.
Olhou ao redor e pegou um ônibus. Na frente, pessoas
brigavam com o cobrador sobre o preço da passagem, enquanto um homem usando
chapéu Panamá alegava saber tudo sobre as favelas da cidade porque tinha lido
um livro a respeito. Esperou seu ponto chegar e desceu do ônibus, deixando para
trás três adolescentes que estavam quase trocando socos ao discutir qual time
do país era dono da maior torcida.
Deu sinal e desceu. Andou metade do quarteirão a pé até
chegar à frente do prédio. Ela o estava esperando com aquele sorriso que só ela
sabia dar. Sorriu de volta e se aproximou. Não trocaram palavras antes dos
lábios se encontrarem – a saudade de beijar era tanta que mal teriam conseguido
dizer “oi”. E durante o beijo, sentiu-se em paz com o mundo ao seu redor.
Lembrou-se do texto que havia deixado aberto no computador. Era
uma carta que entregaria a ela, contando como se sentia quando a encontrava e
como pretendia passar o resto da vida com ela, mesmo que o mundo pegasse fogo.
Pois achava que era direito de toda pessoa defender o que acredita e, naquele
momento, acreditava apenas que ela era o grande amor da sua vida.
E nada mais importava.
2 leitores:
!!! Amei
Rob, você é um romântico incurável. Tudo bem, eu também sou. E que bom que a gente pode (ainda) acreditar no amor, né? Porque acreditar neste país não dá mais...
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