26 de julho de 2013

Gota de Suor



Ele se lembrava de cada detalhe.

Na verdade, ele se recordava especialmente dos detalhes. Frações de segundos que poderiam não ter sido reparadas, mas que, para ele se tornaram eternas. O gemido baixo que ela deixou escapar ao lado de seu ouvido quando a segurou pela cintura. O rápido momento que abriu os olhos e viu seus cabelos molhados e grudados no ombro dela, formando um desenho que ele não entendeu totalmente sobre sua pela clara. A gota de suor que desceu pelas costas dela até encontrar seu dedo.

Durante anos, havia revisitado aquela cena muitas vezes. E de todos os ângulos possíveis. Às vezes, se lembrava de tudo olhando o rosto dela com seus próprios olhos. Em outras, se colocava no lugar dela, olhando o seu próprio rosto de perto, imaginando sensações que não eram suas. Mas sua imaginação preferida era observar por fora, como quem enxerga um quadro. Ela nua, sentada no braço do sofá de couro próximo à parede, abraçando seu corpo com as pernas. Ele em pé, de frente para ela. Dois corpos dançando até a gota de suor escorrer pelas costas dela. E o corpo dela suado fez com que ele se sentisse um gigante.

Não se lembrava do primeiro beijo, mas de tanto imaginar que ele havia acontecido quase sem querer e ali mesmo, naquele canto da sala, sua memória acabou incorporando esta cena. Hoje já tinha certeza de que o primeiro beijo havia sido exatamente assim. Às vezes, se esforçava para se lembrar da posição das roupas largadas no chão, mas sempre que chegava à segunda ou terceira peça, percebia que estava trapaceando. Não se lembrava de como as roupas estavam no chão. Sua memória sabia que estavam vestidos minutos antes, mas sua alma teimava em tentar convencê-lo de que sempre existiram nus dentro daquele apartamento abafado.

Revisitou aquela tarde pelo resto da vida. E brincava consigo mesmo, tentando imaginar quando percebeu que iria acontecer. Não foi em nenhum dia dos três dias de curso. Havia prestado atenção na garota de outra cidade, mas estava certo de que ela não o vira. Não foi também quando almoçaram juntos no último dia, nem quando correram para dentro do pequeno apartamento em que ela se hospedou para escaparem da chuva de verão. Antes que percebessem, estavam se beijando desesperadamente e arrancando as próprias roupas, e já sabia tudo o que iria acontecer.

Da mesma forma que soube o que iria acontecer antes de chegar ao final. Entre os cabelos grudados na pele e a gota de suor que deslizou pelas costas dela até seu dedo, entre o gemido abaixo e perceber as mãos dela puxando o corpo nu dele para junto do dela... Em algum momento abriu os olhos ao perceber que se lembraria para sempre daquele momento. Um momento quase sem palavras, quase sem pensamentos, um momento onde de repente nada mais fazia diferença, um momento onde eram deuses brincando ao bel-prazer, horas antes dela arrumar suas malas e voltar para sempre para sua cidade.

Um momento que se tornou uma vida.

Passou o resto da vida buscando a mesma tarde, mas sem sucesso. Durante anos, buscou em vão as sensações daquele dia com outras pessoas. Experimentou as mesmas posições, tentou abrir os olhos nos mesmos momentos, torceu pela gota de suor que escorresse e beijasse seu dedo... E nunca encontrou.

Ainda hoje, volta ao canto da sala muitas vezes antes de dormir, sentindo o corpo arrepiado ao se lembrar de sensações que podem ter acontecido ou que ele pode ter aprendido a imaginar e disfarçá-las de memória para preencher lacunas. E, em cada visita, enxerga a cena por um ângulo diferente e, em muitas delas, implora gemendo que ela não se vá, que lhe dê mais uma tarde, ou que comece tudo de novo, por favor, porque eu não quero que isso acabe. E simplesmente não consegue se lembrar de como foi embora do apartamento porque na verdade isso nunca havia acontecido. Estava há anos preso lá dentro, ao menos dentro de sua memória.

Às vezes, abre os olhos e se pergunta onde ela está e como ela se lembra daquela tarde abafada e daquela meia hora transpirada. E brinca durante alguns segundos, se perguntando o que poderia ter acontecido, onde morariam hoje, se teriam filhos. E se toda vez teria sido mágica e completa e perfeita e alucinógena e viciante como naquela tarde. Até que guarda o corpo dela no braço do sofá e o seu próprio corpo junto ao dela num cantinho da memória e decide dormir.

Nunca ficou sabendo que semana passada, enquanto bebia com duas amigas, ela havia contado essa história rapidamente, na mesa, entre a segunda e a terceira dose de uísque. E foi no meio da história que ela descobriu que não conseguia mais lembrar se o nome dele era Rodrigo ou Rogério. Acho que era Rodrigo, mas não tinha como ter certeza, já fazia anos. Antes da próxima dose de uísque, a conversa já havia mudado para o divórcio da sua irmã.

Já em casa e quase dormindo, horas depois, ela conseguiu se lembrar: não era Rodrigo nem Rogério. Ela Leandro. Mas adormeceu logo em seguida, e o nome dele escorregou para fora das suas lembranças pela última vez. Desta vez, para sempre.

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