27 de março de 2013

A Dancinha de Adalberto



- Oi. Cheguei.

- Oi.

- Fiquei até mais tarde hoje, estava cheio de trabalho.

- Certo.

- Tudo bem?

- Tudo.

- Que foi?

- Nada.

- Mesmo? Você está estranha.

- Adalberto, você andou na Avenida Central hoje?

- Sim, fui ao banco ali. Por quê?

- Porque a Joana me ligou. Ela disse que viu você ali.

- Ah, é?

- Sim. Ela passou de carro e viu você na calçada.

- Que coincidência. E ela está bem?

- Ela me disse que viu você dançando na rua, Adalberto!

- Oi?

- Não negue! Você sempre nega tudo!

- Mas...

- Ela disse que viu tudo claramente. Era você, andando na rua e fazendo uma dancinha!

- Bom...

- E dando pulinhos! Pulinhos! Vai negar?

- Bem, não... É que...

- O que você estava pensando?

- Olhe, eu...

- Pulinhos, Adalberto? Pulinhos e dancinha! A Joana disse que você fez até uma voltinha! Não negue!

- Eu não estou negando nada. Não foi culpa minha...

- Ah, claro que não. Por acaso alguém colocou uma arma na sua cabeça e gritou que “ou você dança na rua ou você morre”?

- Não... Olhe, eu estava indo ao banco e ouvindo música com meu fone de ouvido. E de repente começou a tocar Stones. She’s a Rainbow, sabe?

- Sei.

- E, de repente... Não sei o que me deu... Comecei a dançar.

- Na rua, Adalberto? No meio da rua?

- Desculpe! Foi mais forte que eu! É aquele comecinho, com piano... Eu gosto. Dá vontade de dançar. Aí não aguentei...

- Ah, Adalberto! Faça-me o favor! Você é um homem adulto!

- Mas...

- Como eu vou encarar minhas amigas agora? Porque a Joana já deve ter falado para todo mundo! A partir de amanhã, todas vão olhar com pena para mim. Tenho certeza! Vou ser conhecida no bairro inteiro como a mulher que tem o marido que dançou na Avenida Central. Que vergonha!

- Mas é só...

- Doze anos de casamento, e um dia você começa a dançar e dar pulinhos na rua! Você não pensou em mim? Na sua família?

- Ah, não... Na verdade, eu não pensei em nada, eu apenas...

- Claro que não pensou! Você estava lá, todo pimpão, indo ao banco e de repente, pronto. Bastou ouvir uma musiquinha para jogar tudo para o alto! Eu, seus filhos, nossa reputação!

- Olha, Fernanda...

- A esta altura, já está todo mundo sabendo! Pelo amor de Deus, Adalberto. Você é um engenheiro, trabalhador, tem uma vida estável. E de repente começa a dançar na rua feito um adolescente?

- Fale mais baixo! Você vai acordar as crianças!

- Ah, você não quer que os meninos saibam que o pai deles dança na rua, certo?

- Oi?

- Sim, porque imagine o que esses meninos vão ouvir na escola! Deve ser demais você ser um pré-adolescente e ter um pai que faz dancinhas na rua!

- Então, mas o pianinho... Foram só uns cinco segundos...

- NÃO QUERO SABER! SE QUISER FAZER DANCINHA, FIQUE EM CASA!

- Calma...

- E eu vou contar isso pros nossos filhos! Amanhã de manhã!

- Bom, tudo bem...

- Faz quanto tempo que você dança na rua?

- Como?

- Faz quanto tempo? Eu duvido que você tenha começado com isso hoje!

- Sei lá... Nunca pensei nisso.

- Quando você fica no banheiro depois do almoço, no final de semana, você fica dançando lá dentro, não fica?

- No banheiro?

- Responde! Você fica fazendo isso dentro de casa? Debaixo do nosso teto?

- Não sei, nunca prestei atenção. Apenas aconteceu...

- Meu Deus. Uma vida inteira jogada no lixo. Por que você nunca me disse isso? Antes de casarmos, por que não me disse que você gostava de fazer dancinhas na rua? Eu teria entendido! Mas não! O que você preferiu? Resolver ser pego em flagrante, mais de dez anos depois do casamento. Que humilhação.

- Mas é só... Eu não...

- Não quero mais saber. Eu vou dormir. Você vai ficar na sala.

- Na sala?

- Sim. Eu não quero você no meu quarto. Pode dormir ou dançar e dar pulinhos aqui na sala. Tanto faz. Você escolhe.

- Fernanda, eu...

- Amanhã a gente conversa melhor. Quero ficar sozinha.

- Mas...

- E espero que você pense no que está fazendo com a nossa vida.

- Mas foi só...

- E com a vida dos seus filhos.

- Mas foram apenas três pulinhos. Três ou quatro. E uma voltinha, a hora que o Mick Jagger começa a cantar. Juro que foi só isso!

- Seu porco! Não quero saber!

- Sabe, aquele pianinho. Tim-tim-tim-tim...

- CALA A BOCA, ADALBERTO!

- Mas estou tentando...

- Não quero mais saber! Vou dormir!

- Espera, calma...

- E outra coisa! Se você ousar ligar nesse mp3 dentro da sua mala, eu vou para a casa da minha mãe!

- Hã?

- E levo as crianças comigo!

- Mas...

- Seu cafajeste! Pervertido!

- Fernanda...

- Uma vida inteira jogada fora! Cafajeste!

E bateu a porta do quarto.

Eventualmente, fizeram as pazes. Adalberto explicou que fora tudo sem querer, e que nunca mais iria dançar na rua. Prometeu de pés juntos. Nem mesmo um pulinho. E o casamento voltou ao normal – Fernanda nunca teve coragem de tocar no assunto com as amigas ou com os filhos.

Mas o Adalberto está se saindo bem, está se segurando. Mas na dúvida, não leva mais o mp3 na mala. E até hoje, sempre que estão numa festa, basta Adalberto bater o pé distraído ao som da música que está tocando para a Fernanda olhar feio para ele.

3 leitores:

Leo B. disse...

HAHAHAHAHAH Sensacional!

Garanto que a Fernanda não deve gostar de música para ter agido dessa forma.

Leo B. disse...

HAHAHAHAHAH Sensacional!

Garanto que a Fernanda não deve gostar de música para ter agido dessa forma.

Lua Durand disse...

A Fernanda é meio recalcada... Tenho certeza que o que ela mais queria também era dançar na rua!

Não há coisa melhor do que a espontaneidade!

Muito bom, Rob! Sempre!

 

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