16 de fevereiro de 2013

As Aventuras do Menino Brasil


Filho único do casamento entre o português Álvares e a índia Iracema, Brasil é um típico adolescente da classe média: grandalhão e meio desajeitado, ainda não aprendeu a lidar com seu próprio tamanho. Mas ele não liga para isso. Sabe que todo mundo acha que ele é simpático e alegre e não dispensa uma boa festa, então está sempre cercado de amigos.

Aliás, esse é um dos seus principais problemas: como adora farrear, Brasil não se preocupa muito com os estudos. Na verdade, gosta de ir para a escola somente nos dias que têm aula de educação física pois, desde criança, é apaixonado por futebol. Nos outros dias da semana, Brasil cabula aula e vai para a praia ou, quando tem preguiça de ir até a praia, entra na escola mas dorme a manhã inteira lá na última carteira.

Lição de casa ou estudar para as provas? Nem pensar. Brasil normalmente passa a tarde inteira deitado em berço esplêndido no sofá, vendo desenhos animados e comendo salgadinhos. Às vezes os pais perguntam se ele não tinha tem para fazer da escola, mas a eles sempre responde que “não, tá tranquilo, relaxa”.

Não é à toa que Brasil já repetiu de ano três vezes.

Uma vez, seus pais decidiram que ele devia ter aulas particulares. Contrataram um tal de Mauritz, um holandês que morava ali no bairro e era famoso por fazer os alunos tirarem notas excelentes. Na primeira aula, o holandês passou a tarde inteira revisando as matérias da escola com Brasil e encheu o garoto de deveres. Na segunda aula, a mesma coisa. Na terceira aula, Brasil já achou que aquilo era demais, que dava muito trabalho e foi falar com seus pais.

- Aí, esse holandês é insano, cara! Ele quer que eu estude o dia inteiro!

- Meu filho, você precisa tirar notas melhores.

- Pô, mas o dia inteiro? Eu já vou pra escola de manhã! É um puta trampo!

- Não importa. Você vai estudar a tarde também.

- Pô, eu não posso mais ver TV? Isso aí é jogar dinheiro fora! Vai estragar todos os salgadinhos aqui de casa! Mó galera passando fome e vocês jogando comida fora!

- Você vai obedecer o senhor Mauritz.

Sem apoio dos pais, Brasil tinha duas alternativas: começar a estudar de verdade ou encontrar um modo de se livrar do professor. Assim, fez o que costumava fazer quando precisava tomar uma decisão importante: passou a tarde na frente da televisão. Mas acabou cochilando e nem pensou muito a respeito.

No dia seguinte, nova aula do holandês e mais um monte de tarefas. Foi quando decidiu dar um fim naquilo e começou a espalhar para todo mundo que suas canetas e lápis haviam sumido e que o tal de “Maurício” (Brasil não conseguia pronunciar Mauritz) roubava seu material. O problema é que o garoto não contou isso somente para os pais, mas para todas as pessoas do prédio onde morava. Resultado: o holandês passou a ser visto como um ladrão e foi obrigado a parar de dar aulas para Brasil.

Com isso, as tardes de Brasil voltaram a ficar tranquilas, como ele gostava. Mas seus pais resolveram que isso não iria ficar assim. E um dia foram questionar o garoto sobre os deveres de casa. Com a boca cheia de salgadinhos, ele respondeu:

- Relaxa, a gente tá no meio do feriado.

- Que feriado?

- O carnaval, ué.

- Brasil, o carnaval já passou!

- Se liga! Você acha que a gente ia esperar o ano inteiro por uma festa de cinco dias? Carnaval é o mês inteiro, velho!

- Não, Brasil. O carnaval já acabou!

- Aí, nada a ver. O carnaval não acabou não. Senão, como é que eu ia conseguir fazer um baile aqui no prédio?

- Que baile?

- O baile, ué. Já tô agitando as doações com os outros moradores!

- Que doações?

- Ué, você acha que eu vou pagar isso sozinho? Deixei um recado lá no elevador pedindo cinquenta reais de cada apartamento para fazer um baile aí. Aí vou usar o dinheiro para fazer uma festa aí no sábado. Vai ter samba e tal.

- Cinquenta reais? De cada apartamento? Isso vai dar uma fortuna!

- Tô ligado. Aí vou aproveitar e comprar uma bike nova.

- Com o dinheiro da festa? Nem pensar!

- Ah, relaxa. Ninguém vai nem se ligar. Tá ligado o Nanzinho?

- Quem?

- O Nanzinho, meu camarada lá da escola.

- O Renan? Nós já falamos que não gostamos desse menino.

- Ele é gente boa. Então, mas tá ligado que o pai dele é síndico ali do prédio onde ele mora, né? E o velho guarda o dinheiro do condomínio ali numa gaveta da sala. Todo mês o Nanzinho pega uma parte e ninguém nem se toca disso. Relaxa, vai ser tranquilo.

- Meu filho, isso é errado.

- É errado só se alguém perceber, cara! E só vou comprar uma bike nova! Porra, a minha magrela tá toda arrebentada e eu ainda vou organizar a festa. Mereço uma nova.

- Se as pessoas perceberem, nós...

- Ninguém vai perceber! Se liga! Vai ter samba! Quando tem samba ninguém percebe nada.

Resignados, Álvares e Iracema decidiram deixar o assunto de lado.

E, poucos dias depois, aconteceu o tal baile de carnaval. O garoto comprou cerveja e contratou o grupo que tocava pagode no bar da esquina. Como Brasil morava no bloco 3 do Condomínio Edifício Mundo, decidiu chamar o carnaval de “Carnaval do Bloco 3 do Mundo” Até mesmo pintou uma faixa para colar no salão de festas, mas acabou se atrapalhando e escreveu “Carnaval do 3 Mundo”. Quando percebeu, já era tarde: a tinta havia acabado e deixou a faixa assim mesmo.

Mas a festa foi um sucesso e até mesmo pessoas dos outros prédios da rua compareceram. Até mesmo o Nanzinho foi, para desgosto dos pais de Brasil.

E Brasil comprou sua bicicleta nova. E, como ele havia dito aos seus pais, ninguém percebeu. Mesmo porque a bicicleta está encostada lá na garagem. Afinal, Brasil arrecadou mais dinheiro do que imaginava para a festa, e decidiu que tinha o direito de comprar um videogame novo. Agora ele nem sai mais de casa, fica o dia inteiro jogando videogame e dizendo que ainda é carnaval.

E, pior, o Nanzinho fica lá com ele.

3 leitores:

Celypearl disse...

Pois é, o Brasil é nosso filho... Pior do quê ele achar que está tudo tranquilo, já que com samba ninguém vê nada, o que também não podemos negar, é como os pais podem deixar as coisas simplesmente acontecerem... Culpa nossa, de que prefere dizer que "esse menino não tem jeito" ou, pior ainda, pensar que "o mundo é dos espertos"... Vai aceitando Nanzinho e companhia, achando que não tem saída...

Lara disse...

estou pensando seriamente em mandar esse texto pra uma antiga professora de história minha. brilhou, rob!

Almeida José disse...

Opa, tudo bom?

Cara, tenho que dizer que fazia muito tempo que eu não lia um texto desse jeito: leve e ao mesmo tempo muito claro quanto às ideias. E, na boa, quem não concordar não se preocupa com o futuro do Brasil. É isso.

A. Fanti

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