4 de setembro de 2011

Trauma

As noites serviam de palco para os sonhos horríveis. Corria entre tiros e explosões, ouvindo gritos e lamentos de dor, com o rosto manchado de sangue e a farda empapada de suor. Sonhava gritando desesperado, gritando de dor, gritando de medo e raiva.

Não era raro sonhar que estava sendo desmembrado, como se granadas inimigas literalmente arrancassem pedaços de seu corpo. Ou que seu coração era perfurado por baionetas enferrujadas, fazendo sua bondade escorrer pela lâmina fria e praticamente cega.

Mas os piores sonhos eram aqueles em que não se defendia, mas atacava. Abria mão da pessoa que era para sobreviver, dando tiros à queima-roupa na cabeça de inimigos, golpeando sorrateiramente por trás, escondendo-se no meio do mato para emboscar.

E, a cada tiro, sabia que seu principal inimigo era a própria guerra, que o estava tornando uma máquina de matar. Matava para sobreviver à dor de saber que cada tiro matava um pouco de si, e que tudo o que acreditara não existia mais, tendo sido a primeira casualidade.

Os dias, contudo, eram mais tranquilos. As paredes e móveis eram brancos, assim como o lençol ligeiramente áspero que cobria seu corpo deitado na cama. Ao seu redor, diversos aparelhos monitoravam seus sinais vitais, mostrando que ele continuava vivo.

Às vezes, uma senhora de idade vestindo branco entrava no quarto sorrindo com ternura para ele. E, quando ela se debruçava para arrumar seu travesseiro, sentia o crucifixo que ela usava no pescoço tocar seu peito, o despertando com o metal gelado, mas confortável.

Frequentemente, médicos e enfermeiras o visitavam e queriam saber como ele estava. Logo, passou a ficar cada vez mais tempo desperto e consciente, fugindo dos sonhos horríveis que invadiam sua noite como bárbaros. Os dias se tornaram maiores e mais calmos.

Às vezes permitiam que desse uma volta pelos jardins do hospital, sempre acompanhado de uma enfermeira. No princípio, andava com dificuldade e receio de cair, mas logo reaprendeu a firmar seus pés no chão, e arriscava caminhadas maiores, antes de se cansar.

Mas a guerra ainda estava em sua mente. Ao menos parte dela, pequena mas suficiente para fazê-lo acordar gritando em algumas noites, suficiente para fazer com que rompesse em lágrimas durante o dia, suficiente para tremer quando conversava sobre o assunto.

E, um dia, foi mandado para casa com a garantia de que tudo passaria com o tempo. E, aos poucos, reaproximou-se das pessoas e de si mesmo. Tomava seus remédios, mas sabia que o melhor medicamento era um dia bom, com livros, conversas e pequenos passeios.

E logo percebeu que não importava mais descobrir se a guerra havia sido vencida ou perdida, somente que a guerra acabara. E jurava para si mesmo que jamais voltaria a lutar, pois entendeu que a pior ferida de qualquer guerra não era visível, era na alma.

Às vezes ainda sonhava que estava sendo tragado para uma batalha que nunca desejara lutar. Revivia tiros e explosões, berros ofensivos e opressores, corpos desmembrados. Mas os dias de Sol mostravam que a paz sempre estivera dentro dele.

E sabia que a sua paz era a maior arma para fazer a guerra sumir.

1 leitores:

IsabelVeronica disse...

Tenho certeza que os dias de sol vão aumentar e, aos poucos, vão ser mais frequentes, até se tornarem grande maioria.

Beijos!

 

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