16 de julho de 2011

#24Horas24Crônicas #12 - Lágrimas de Bailarina

(tema sugerido por:@maopequena)

Vivia fechada e trancada no escuro. Esperando, vestida, pronta para brilhar. Suas sapatilhas limpas e praticamente intocadas escondiam os machucados dos pés, deixando-os puros aos olhos. Puro como seu olhar, totalmente desprovido de pecados e mágoas. Ajoelhada, cuidava do vestido, para que ele se mantivesse imaculado.

Imaculado como sua alma de brinquedo.

Imaculado como a música dos anjos.

Música que rompia o silêncio ao mesmo tempo em que a luz invadia totalmente o pequeno universo que lhe servia de lar. Música doce e cristalina, tocada com notas encantadas. Música calma e pacífica, que fazia corações adultos se tornarem infantis. Música gentil e delicada, composta para embalar sonhos de castelos erguidos no ar, sobre as nuvens.

E, com a música, ela erguia-se e transformava o pequeno palco de plástico em um teatro requintado e decorado com pérolas e ouro. Dançava suavemente desafiando a gravidade, rodopiava de forma a enganar os olhos, pulava como pluma, que se recusa a cair, preferindo flutuar ao vento.

E sorria com sua boca de plástico desenhada a mão simulando o batom de meninas sonhadoras, sem suar por cima da maquiagem cuidadosamente arranjada para transformá-la eternamente em boneca. Escultura de brinquedo erguida em nome da pureza, que girava e encantava com movimentos naturalmente calculados. Passos que acompanhavam compassos. Criança que acompanhava a dança.

E sua ciranda encantava a todos. Encantava a filha pequena que aplaudia feliz a bailarina, encantava a namorada que sorria apaixonada a bailarina, confortava a mulher de meia idade que invejava esperançosa a bailarina. E sua ciranda encantava o mundo ao redor do pequeno palco, com seus movimentos demonstrando que é possível voar.

Mas logo a música perdia sua precisão, com sua magia começando a dissipar no ar. Mais lentas, as notas faziam com que dançasse mais devagar, e a velocidade fazia com que seus olhos se abaixassem em busca de um apoio que jamais existiu. E, ao final da música, tudo se tornava escuro novamente. Abandonava sonhos e magia e voltava esquecida para as coxias, longe de sua dança, alheia à própria graça.

E abaixava-se novamente no escuro, esperando por uma nova oportunidade. E, no escuro, chorava baixinho, por lembrar-se que, no fundo, era apenas a bailarina de uma caixinha de música.

7 leitores:

Patricia Koga disse...

Que linda história! Um objeto tão singelo virou um conto que tocou lá no fundo das minhas memórias infantis, quando minha irmã tinha uma caixinha de música e eu ficava admirando o rodopiar da bailarina. Parabéns!

Anônimo disse...

Doce e triste e belo. rob, vc tá fazendo cada texto de um jeito! Não tá se repetindo. Tou adorando a sua versatilidade. Tá quase me dando vontade de escrever tb, rs!

Varotto disse...

Toy Story mode: ON

Brunín Assis disse...

Imaginei o Woody se apaixonando pela singela bailarina! Esse texto tá mais para uma poesia do que para uma crônica, Rob! Muito bonito!

Marina disse...

Esse foi fantástico. Não que os outros não sejam.

Sil disse...

Amei esta crônica Rob, ficou muito sensível e delicada.

Eu adoro bailarinas de caixinhas de música mas agora sempre que abrir a minha, sentirei uma pontada de tristeza por ela.

Mari Hauer disse...

Que linda! Lembrei de quando eu dançava... e de como eu chorava e me emocionava...

 

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