21 de maio de 2011

Sala de Espera

– Com licença?

– Pois não?

– Este lugar está ocupado?

– Não, creio que não. Tinha um rapaz aqui, mas ele já foi chamado. Acho que não volta mais.

– Entendi. Obrigado.

– Chegou agora?

– Sim, sim. Demorei até achar a sala correta, está uma baita bagunça lá na entrada. Não dá para entender se eles estão separando as pessoas por ordem alfabética ou por continente.

– Tem muita gente lá fora ainda?

– Bastante. Teve até empurra-empurra uma hora. Um dos anjos teve que enfiar uma espada de fogo no peito de um loirinho que estava gritando inconformado com a bagunça. Mandaram o loirinho direto para o inferno. Era dinamarquês, acho. Ou sueco.

– Ah, faz sentido ele ter se irritado. Esse povo não estava acostumado com esta desorganização toda.

– Ah, sim. Eles não sabem lidar com isso.

– Eu estou tranqüilo aqui. Eu era brasileiro, para mim isso é normal.

– Sério? Eu também sou brasileiro! Quer dizer... Não sou mais. Mas eu era brasileiro.

– Que coincidência! Como este fim do mundo é pequeno!

– Verdade! E, me diga... Como as coisas estão andando aqui?

– Ah, está bem devagar. Porque eles precisam pegar cada pessoa e analisar caso a caso, ver o que a pessoa fez e não fez. O processo já e meio demorado, mas, agora que o mundo acabou, estão tendo que fazer isso com todas as pessoas.

– E pelo que eu vi lá fora, eles não se prepararam para isso. Não imaginavam que teria tanta gente assim.

– Aqui dentro não está diferente, está tudo desorganizado. Está demorando demais.

– Imagino.

– E às vezes as pessoas não ajudam. Tentam argumentar, tentam explicar os pecados. Hoje de manhã um sujeito estava tentando convencer a menina do balcão que ele matou a mulher porque ela batia nos filhos.

– E aí?

– Ficaram a manhã inteira nisso. Aí tiveram que chamar a mulher e os filhos para depor. Só que ninguém achava um dos filhos, parece que ele já tinha ido para o Céu. Uma hora se cansaram disso e mandaram todo mundo para o inferno. Assim, literalmente, sabe?

– A família inteira?

– A família inteira. Só o menino que já tinha ido para o céu escapou. E fora que tem aqueles que acham que não precisam pegar senha. O cara entra aqui gritando que rezava todas as noites, que deveria ter um caixa preferencial para isso. Aí eles têm que parar o que estão fazendo, chamar a segurança, é um caos. Demora demais.

– Olhe! Chamaram uma senha nova! Quatro bilhões, setecentos e três milhões, duzentos e quinze mil, trezentos e quatro.

– Não é a minha. A minha é... Deixe eu ver... Cinco bilhões, novecentos e dezenove mil, oitocentos e doze, seis. Qual a sua?

– A minha é seis bilhões, duzentos mil e algo.

– Ah, vai demorar ainda. Está vendo aquele velho de barbas entrando por aquela porta lateral?

– Sim. Quem é?

– São Pedro. Ele está voltando agora. Saiu para almoçar faz umas três horas, e voltou só agora. Isso aqui vai demorar demais, estou falando.

– Me diga uma coisa... A gente precisava ter trazido algo? Algum documento?

– Olha, ninguém falou nada. Eu cheguei a procurar na internet ontem, mas não achei nada. Então, eu trouxe o básico. O RG, o CPF e uma conta de luz.

– Conta de luz?

– Ah, é bom levar um comprovante de endereço nessas coisas. Eles sempre pedem isso. Você trouxe algo?

– O RG e o histórico escolar.

– O histórico?

– Sim. Eu estava pensando antes de sair de casa. Quando eu tinha 16 anos, tirei dez de Química. Isso deve contar algo. Assim, não que eu vá para o Céu por causa disso, mas pode me ajudar a ganhar uns pontinhos.

– Química? Deve valer algo, com certeza.

– Tinha um três de geografia, também. Mas dei um jeitinho, transformei em oito com a caneta.

– Ah, fica tranqüilo. Eles têm que olhar a vida inteira da pessoa, então ninguém vai prestar atenção nisso.

– Olhe, mais uma senha. Até que está indo rápido! Quatro bilhões, setecentos e três milhões, duzentos e quinze mil, trezentos e cinco.

– É... Vamos torcer para continuar assim. Quem sabe a coisa anda... Ih, esquece! Agora isso vai demorar de verdade.

– Como assim?

– Você não viu quem entrou ali agora, com essa senha?

– Não. Quem?

– O Maluf. Só para olhar a ficha desse cara vai ser uma semana.

– Uma semana? No mínimo! Eu arriscaria uns quinze dias.

– E ele não entrou sozinho. Acho que estava com o advogado junto. Isso vai demorar demais.

– É o fim do mundo, mesmo.

6 leitores:

gabriela disse...

HAHAHAHA!! Vi a divulgação dessa crônica no seu twitter..Não imaginei que fosse tão boa. Parabéns!

Natalia Máximo disse...

Esse pessoal do fim do mundo é justo pra caramba, hein? Até o ~~MALUF~~ vai ter a ficha analisada!

.a que congemina disse...

E o medo de ser assim mesmo?
haahaha

Um buraco vai se abrir embaixo dos pés do Maluf e ele vai cair direto no inferno. Isso, claro, se o mundo for justo, mesmo.

=P

Alessandra Rocha disse...

AKOAKOAKOAKOAKOAKOAOKA to rindo muito, adorei, inteligente e divertido!

Esses fins de mundo são fail hein? Sobrevivi a 2000, 2004, 2006, 2010 e 2011, será que em 2012 essa patifaria acaba?

Anônimo disse...

Eu fico imaginando como esse cara tem essas idéias, ele deve ter uma cabeça muito doida.
muito bom o texto, ri muito

Eli disse...

Nossa, fico show! ahahha. Pois é, no final, não houve fim do mundo, mas será mesmo qdo for a vez do Maluf! rsrsr . Parabens!

 

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