28 de março de 2011

Pais e Filhos

Domingo de manhã. Enquanto a mulher faz almoço na cozinha, o pai está na sala folheando o jornal em uma poltrona, de costas para a varanda. É sua cadeira preferida, por causa da claridade. No sofá ao lado dele, o filho, meio sentado meio deitado no sofá, muda os canais da TV com o controle remoto. Parece impaciente. Até que uma hora larga o aparelho no sofá, deixando a imagem num noticiário esportivo.

– Pai?

– Oi.

– Quando eu vou virar adulto? Assim, adulto. Adulto de verdade.

– Como assim?

– Adulto. Como você.

– Como eu?

– Sim.

– Não sei... Na hora certa, acho.

– Promete?

– Mas por que você está falando isso agora?

– Ah, pai...

– Fale.

– Não sei... Só acho que quando eu for adulto as coisas devem ser mais fáceis.

– Por que você acha isso?

– Ah... Não sei... Eu sempre ouvi você reclamando dos problemas, mas você resolve todos. E deve ser muito bom ser assim.

– Eu resolvia todos? Não, nem todos.

– Não?

– Não... Eu resolvi apenas os que você ficou sabendo. Eu e sua mãe não deixamos você saber mais da metade dos problemas. E muitos deles eu não resolvi. Muitos deles ficam escondidos no meu quarto. Só eu e sua mãe mexemos nisso.

– Como assim?

– Ah... Você aprende a deixar algumas coisas de lado. Você aprende a se adaptar. E aprende que tem algumas coisas que simplesmente não tem solução. Eu e sua mãe aprendemos isso. Ou, ao menos, tentamos aprender.

– Mas e aí? Você não faz nada?

– Se não tem solução...

– Mas isso não é fugir, pai?

– Mas por que isso agora? Querer virar adulto?

– Ah... Não sei... Você resolve todos os problemas. E eu às vezes não consigo fazer nada. Então eu queria virar adulto logo.

– Filho...

– Oi.

– Você não resolve os problemas por ser adulto. Você resolve os problemas por ser uma boa pessoa. Vem cá. Senta direito aqui do meu lado.

– Diz.

– Aprende isso... Aprende e não esquece. Se você for uma boa pessoa, você vai conseguir resolver os problemas, independente da idade que você tiver. A idade dá apenas a experiência, a sabedoria. Você já tem sua sabedoria, mas ela ainda vai aumentar. Mas você resolve os problemas mesmo sendo uma boa pessoa. E isso você é.

– Como você sabe? E se eu não for uma boa pessoa?

– Você é meu filho. Eu sei que você é. Mas, olhe... Você resolve os problemas sendo uma boa pessoa. Mas isso tem um preço. É isso que eu não quero que você esqueça.

– Que preço?

– As pessoas boas sofrem mais com os problemas. Elas sentem mais. É isso que você não pode esquecer. Pessoas boas se importam mais com os outros, com a vida que levam... Elas sofrem mais por isso, mas é isso que faz elas não resolverem os problemas. Elas não desistem.

– E as más?

– Não sei se existem pessoas más. É complicado isso, filho... Eu podia falar que você é muito novo para entender isso, mas não é verdade. Eu mesmo nunca entendi. Mas não acho que existam pessoas más, apenas pessoas que não são boas. Ou não são boas naquele momento.

– E elas não resolvem nada? Então se eu não resolver nada, eu serei uma pessoa má?

– Não, não é isso, filho. Elas apenas não tentam. Elas não se importam. Essa é a diferença. Você pode ser uma pessoa boa e não conseguir resolver um problema. Mas você tentou. Isso faz a diferença.

– Mas se a pessoa má não se importa com o problema, tanto faz se ela resolve o problema ou não, certo? Não é mais fácil?

O pai apenas sorriu.

– Não é, filho. Confie em mim, pode parecer mais fácil, mas não é. Como eu disse, tentar faz a diferença. Não resolver.

Antes que o filho respondesse, um menino de quatro ou cinco anos saiu da cozinha e atravessou a sala em direção à poltrona. Parou ao lado do homem com o jornal no colo e disse:

– Vô, minha mãe e a vovó estão terminando o almoço, e querem saber se você pode ir até a padaria.

O velho largou o jornal de lado e levantou-se. Colocou a carteira no bolso, olhou para baixo e passou a mão na cabeça do garoto.

– Quer ir com o vovô?

O menino olhou para o lado, em direção ao homem sentado no sofá.

– Pai, eu posso ir com o vovô? Até a padaria?

O homem levantou-se antes de responder.

– Pode. Eu vou também. Vamos nós três.

E, a caminho do elevador, o homem escondendo os cabelos prateados com seu velho boné segurou o filho pelo braço.

– Você já é adulto, você sabe disso. Eu sei que às vezes a vida parece ser difícil demais, mas não se esqueça de que a minha também era. Mas você já é um homem. Um homem adulto.

– E eu, vô? Eu sou adulto também?

O velho olhou para baixo e sorriu para o menino, daquele jeito que somente os avôs sabem sorrir.

– Não, você ainda não é adulto. Seu pai é, mas você ainda não.

O menino olhou para baixo, desapontado.

– Mas você ainda tem tempo, completou o avô.

E passando a mão nos cabelos do menino, fechou a porta do elevador.

3 leitores:

littlemarininha disse...

"Eu sei que às vezes a vida parece ser difícil demais, mas não se esqueça de que a minha também era."

E sempre é, não é?
Não importa a idade, as dificuldades sempre existem, e os problemas são sempre enormes. E é sempre difícil resolver tudo e muitas vezes nos conformamos com o que não pode ser resolvido. Aposto que até o menino de cinco anos tem grandes problemas que não sabe como resolver. Concordo com o Pai: Tentar, é isso que faz toda a diferença.

Lindo texto, Rob.

Marina disse...

Acho que nunca vou ser adulta.

Varotto disse...

Vou variar um pouco e não comentar o conteúdo, mas a forma.

Alguns podem até dizer que isso é clichê, mas acho legal, dentro do seu talento para a escrita, que todos nós já conhecemos, essa habilidade meio "sexto sentido" (aquele do "I see dead people").

Quando chegamos ao final, nos surpreendemos com o fato do filho, que o texto nos iduzia a pensar ser uma criança, ser um adulto. Aí pensamos: "ah! o cara escreveu lá atrás que era um menino". Então voltamos o texto todo procurando essa falha, para notar que ele sempre é chamado de filho, não de menino, ou criança. E, o tempo todo, foi o texto nos enganando.

Muito bom...

P.S.: Vou abrir um curso chamado "Como escrever um parágrafo enorme para dizer o que podia ter sido dito em duas linhas".

 

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