15 de março de 2011

Metafísico

Acordou e abriu os olhos, mas tudo continuou escuro.

Sentiu seu corpo nu sobre a terra úmida, sem fazer ideia de onde estava.

Aos poucos, sua visão começou a se acostumar com o breu em que estava e passou a distinguir algumas formas. Estava numa espécie de poço, cercado por pedras cobertas de limo e musgo. Metros acima, uma luz brilhava distante, anunciando uma saída.

A única saída.

Tentou escalar pelas paredes, mas em vão. Suas mãos escorregavam e caía repetidamente no solo, sofrendo mais pela frustração que pela dor. Até que desistiu e sentou-se, apoiado numa parede e com as pernas encolhidas, protegendo sua nudez.

– Desistiu?

Num sobressalto, olhou para o alto, mas não viu ninguém. Estava imaginando coisas. Abaixou a cabeça e esperou mais alguns minutos. Talvez fosse um pesadelo.

– Eu sabia que você desistiria de tentar.

Desta vez, levantou-se e olhou fixamente em direção a luz. Ninguém.

– Quem é você?, perguntou.

A voz respondeu em seu tom uniforme, quase entediada, com sílabas monocromáticas.

– Não faz diferença.

– Por que eu estou aqui?, questionou, desta vez gritando.

– Porque eu quero.

A resposta foi tão simples que deixou o homem sem reação. Não encontrou palavras, e a voz continuou.

– Você está aqui porque errou.

– Errei como? Quem é você?

– Você errou. Isso basta.

Instintivamente, o homem olhou ao redor. Mas não havia nada. Apenas as pedras escurecidas com o tempo, que o fitavam em silêncio.

– Quando eu errei?

– O tempo inteiro.

– Eu não sei do que você está falando. Eu quero sair daqui!

– Você se colocou aí por conta própria. Saia se quiser.

A voz robótica e fria soava distante. O homem tentou reconhecê-la, mas em vão. Não sabia onde estava, nem com quem estava falando. Respirou fundo e tentou se acalmar.

– Onde eu errei?

– Em tudo.

– Como assim?

– Você errou em tudo. Você errou ao errar, e mais grave ainda, você errou ao sonhar que poderia ter acertado.

– Do que você está falando?

– De você.

– Quem é você?

– Não importa. Não importa se você me conhece, ou não. O que importa apenas é você.

– Como assim?

– Você. Você e seus erros.

– Caralho! Que erros, porra?

– Seus erros. Você erra tanto que não percebe mais quando erra.

Resolveu dançar conforme a música, em frente às pedras que serviam como testemunhas mudas, sem poder lhe ajudarem em nada.

– Me dê uma prova de que eu errei.

– Você está aí. Isso é prova suficiente.

– Mas você me colocou aqui! Isso não prova nada.

– Eu o coloquei aí, pois você merece ser punido.

– Quem determina o que é certo e o que é errado?

– Eu.

– E quem lhe deu este direito?

– Você.

– E quem é você?

– Não importa. Você não me conhece. Ou, ao menos, não me conhece mais.

– Bem, tudo bem. Digamos que eu tenha errado. E agora?

– Agora, nada.

– Se eu assumir meus erros, eu não posso sair daqui?

– O que faz você pensar que irá sair daí?

De repente, tudo ficou claro. Nada daquilo fazia sentido. E, sem sentido, não havia resposta.

– Você pode ao menos dar um exemplo de onde errei?

– Não. Procure pelos seus próprios erros. Você os cometeu.

– Eu não posso procurar pelos meus erros aqui. A minha vida não está aqui embaixo.

– A sua vida não existe mais. Existem apenas seus erros. Suas falhas.

– Todos nós temos falhas.

– Não. Você tem falhas.

– Mas quem é você, e o que lhe dá o direito de me julgar? E de me condenar?

– Eu não condenei você. Você mesmo quem fez isso.

– Como assim?

– No momento em que você achou que poderia ser feliz. No momento em que você decidiu que tinha o direito de sonhar. Neste momento, você achou que poderia derrotar seus defeitos. Ou, ao menos, fazer com que eles fossem aceitos da mesma forma que você aceita os das outras pessoas. E isso não existe.

– Como assim, não existe?

– A prova disso é que você está aí embaixo. Preso. Porque quis.

– E quando eu vou sair daqui?

– Sinceramente? Quando você quiser. Basta fechar os olhos e querer sair. Mas eu devo lhe avisar uma coisa.

– O quê?

– Um pedaço seu vai permanecer aí. Você não vai sair daqui inteiro.

Resignado, o homem abaixou a cabeça, cansado, em meio à escuridão e suspirou.

– Por quê?

– Porque você está aqui justamente por não estar mais inteiro. Esse é o seu maior erro. Você sai daqui a hora que quiser. Mas não se esqueça de uma coisa.

– De quê?

– Você sempre esteve aqui. Você sempre vai estar aqui. Adeus.

Antes que o homem pudesse responder algo, ele soube que seria inútil responder.

De repente, ele percebeu que não sabia quanto tempo havia se passado. E não compreendeu mais se estava conversando com alguém ou se esteve falando sozinho.

Sentou-se, cansado e velho. E escondeu o rosto em meio aos joelhos dobrados.

A luz se apagou.



3 leitores:

Mari Hauer disse...

Consegui sentir o peso desse texto linha após linha. Me senti cansada e triste, vendo essa pessoa conversar consigo e com a única luz que ainda restava em sua vida.

As pessoas se prendem demais aos próprios erros. Se metem em buracos só para sentir a frustração em não conseguir sair deles. Pelo desprazer de se sentirem impotentes, e se culparem, ainda mais, por isso.

Pessoas vão atrás do impossível, do que não podem carregar, de mais do que podem fazer. Se sentem frustradas e, pra não sair dessa condição, não abrem mão daquilo que nem deveriam ter assumido de início. Daí pra se culparem de erros que nem deveriam ser delas, é um passo. Bonito o texto. E triste.

Anônimo disse...

Nosssa me senti muito, muito mesmo frustrada e irritada ao ler o texto...consegui me colocar no lugar dele...naquele buraco sem saber o porquê e como estava naquele buraco!!!

Varotto disse...

Claustrofóbico.

 

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