25 de fevereiro de 2011

Testamento

Nasci. Não me recordo quando exatamente, mas tenho lembranças de minha infância. Cada minuto era uma vida toda. Cores e sons dançavam em frente aos meus olhos, temperando cada momento com sabor de novidade e, mais que tudo, a certeza de ser imortal. Pois, quando somos jovens e estamos nos primeiros dias de via, temos medo de nos machucar, mas jamais de morrer. A morte é algo distante, impossível.

Escrevi. Escrevi para conquistar e seduzir, para confortar e proteger. Escrevi textos e mais textos, que fizeram rir ou chorar, mas que tinham um nome, um único nome, escondido em cada palavra. E, aprendendo a brincar de letras, aprendi a brincar de vida, a brincar de amor. E aprendi a brincar de sonhar – ingênuo, achando que sonhar não era brincadeira.

Cresci. E, com a marcha do tempo, as cores perderam um pouco de seu brilho, diminuíram o ritmo da dança. O que era novo se tornou cotidiano, os minutos deixaram de serem vidas e passaram a ser apenas o que eram: minutos. Alguns tons de cinza surgiram. Mas amadureci, deixando de ser menino e me tornando homem.

Escrevi. Desta vez, para entender a mim mesmo e a força daquele nome. E para tentar compreender os tons de cinza e a falta de dança, me esforçando para aceitar que eles seriam normais na vida. E desta vez, realmente fiz sorrir e fiz chorar, mas lágrimas erradas. Lágrimas que vertiam de outros olhos, que, ao sorrirem não sorriam para mim. E os meus sorriam sozinhos.

Envelheci. Tornei-me um pouco mais amargo, talvez arredio, graças aos tapas que a vida insiste em dar, algumas vezes, sem razão. Mas nunca perdi a esperança de ver as cores novamente. Amei? Todos os dias. Mesmo aqueles que, hoje eu sei, existiram somente nos meus sonhos. E, rodeado de cinza, procurei pelas cores, lutando pelo retorno delas com a mesma força – talvez mais – de minha infância.

Escrevi. Mas lutando para ainda fazer rir, criando mundo de sonhos para me abrigar e fugir da realidade, outrora repleta de sorrisos, hoje muda e amargurada. E procurei nas palavras – não apenas nas minhas – a fonte do cinza e da falta de dança, mas tudo que encontrei foram imagens nubladas e distorcidas de um sonho calado e sonhado em vão. Velho e marcado, escrevi chorando feito menino que nunca aceitou crescer e interromper a brincadeira.

Adoeci. Era inevitável. Mas não esmoreci. Nunca deixei de sentir e amar. Errei e perdoei, acertei em silêncio, sem ninguém ter visto. Andei quilômetros sobre chuvas de lágrimas, respirando em poucos metros enfeitados com sorrisos. Encantei o mundo com letras, mas não me curei com as palavras. E me perdi, sem saber mais onde as cores terminavam para dar lugar ao cinza cada vez mais crescente. E me perdi sem saber mais quem eu era.

Escrevi. Para me despedir, certo de que não havia mais começo. Ainda fazia rir, mas as risadas já não tocavam mais; ainda fazia chorar, mas o choro verdadeiro se furtou a vir. Escrevi resignado, sofrendo por encantar o mundo inteiro, menos o mundo que escolhi. Elogiado e aplaudido de pé, deixei o palco calado, sabendo que as mãos cujo som me guiava não me aplaudiam há tempos. E me recolhi em silêncio.

Desisti. Deitado e fraco, com os olhos fechados e experimentando últimos momentos, descobri que estes sim perduram por dias – já os do passado, tão distantes, parecem fragmentos de algo que nunca existiu. E passei os dias deitado olhando o texto acinzentado, sem dança ao redor.

Faleci. Perdi as últimas forças e, sabendo ser inútil, desisti, me perguntando se todos ou se apenas eu desistem. A resposta não veio e fechei os olhos, sem adeus. Parti, deixando como testamento a saudade de tudo. Especialmente a saudade do que não fui.

Mas que, todos os dias, sonhei em ser.

4 leitores:

Francine Ribeiro disse...

não sei o que dizer...
fiquei triste.

Anônimo disse...

Fudido! Simplismnte fudido, passou uma vida em um post, me lembrou da passagem de 2001 quando o macaco joga o osso para cima e vira uma estação espacial.

Petterson Farias disse...

PQP. Que texto, Rob. Triste? Melancólico? Mórbido? Trágico? LINDO.

Mari Hauer disse...

Nossa, fiquei triste. Mas já senti muita saudade do que não fui também, como o personagem. Tem mtos dias que queria tanto ser quem eu não fui, ter feito tudo diferente no meio do caminho.
Mas tenho tentado não pensar no "se" e encarado minhas decisões hoje. Mas é difícil. Difícil e triste.

 

Championship Chronicles © 2010

Blogger Templates by Splashy Templates