14 de setembro de 2010

Foto

Encontrou a foto, numa caixa, décadas depois.

Estava ali há sabe-se quantos anos, um pouco amarelada nas pontas, com o tempo deixando sua marca. Mas ela permanecia jovem. Ela sempre fora jovem. Estava sentada e alheia ao fotógrafo, olhando para baixo, escrevendo algum num papel sobre uma mesa de madeira escura.

Fazia frio. Ele se aqueceu.

Olhou para ela timidamente, temendo que ela erguesse os olhos e o surpreendesse. Será que sorriria? Ou abaixaria os olhos encabulada, como na primeira vez em que se encontraram? E, mesmo sem poder olhá-la fundo nos olhos, viajou para dentro de suas pupilas, reino onde governou por anos e anos, deixando-se inebriar com as memórias de tudo o que não aconteceu.

Com cuidado, deslizou gentilmente o dedo pelos lábios dela. Ela permaneceu imóvel, segurando a caneta com firmeza e concentrada no texto que rabiscava. Sentiu na própria carne a doçura do beijo dela estampada no papel, e suspirou o vazio da casa onde morava.

Sem perceber, comprimiu os lábios, talvez por tristeza, talvez por desejar os dela por tantos anos, por todos os momentos.

E abaixou os olhos para o papel sobre a mesa.

Nunca soube o que ela escrevia. Uma carta? Um diário? Bilhete? Jamais decifrou o conteúdo, a posição do fotógrafo não o permitia. Mas sabia que ela estava desenhando cada letra, com um capricho quase infantil, tomando cuidado para não errar, tomando cuidado para agradar.

E, ali, no meio dos casacos, ela, menina ainda, menina sempre, brilhava em meio ao cenário, congelada, paralisada. Imortalizada feito rainha. Eternizada feito mulher.

Naquela noite, antes de dormir, pensou sobre o conteúdo do papel, tentando adivinhar o que estava escrito.

Mas descobriu que não importava. Pois, agora com a foto sob seu travesseiro, não existia mais passado ou futuro.

Existia apenas o sempre.

Começou a sonhar antes mesmo de dormir.


7 leitores:

Alessandra Costa disse...

"Existia apenas o sempre."
Lindo isso. E pra variar, um texto lindo também.

Marina disse...

Nostalgia é uma sensação que todo mundo sente, alguma vez na vida. Saudade também. Termina que a gente se identifica com o protagonista por isso.

Muito lindo o texto, Rob. Gosto de poder visualizar cada brilho nos olhos de cada personagem. Gosto de como você os descreve.
Beijos.

Carlos Cruz disse...

Não sei se foi impressão minha, se os outros leitores sentiram isso, mas tive a impressão do texto estar um pouco diferente do costume, principalmente o final, sei lá, deve ser coisa minha, mais isso não mudou a qualidade. Muito show!

Abraço,
Carlos Cruz

Varotto disse...

Nostalgia é uma coisa tão rara quando você é mais jovem (há muito menos vida para se ter saudade), mas é incrível como vai ficando mais frequente com a passagem dos anos.

Por melhor que a vida tenha sido ou seja agora, tenho me pegado sentindo, com razoável frequencia, exatamente a mesma coisa que seu protagonista.

Outro dia, fui pego de surpresa por uma música ("Head over hells", do Tears for Fears, especificamente) e, imediatamente, quando escutei a primeira nota, me abriu um buraco no meio do peito e senti uma sensação boa de leveza, que é até difícil de descrever.

E o seu texto, por associação, me causou a mesma sensação.

Well done, Flipper! ;-)

Bruno disse...

A partir de agora "não existia mais passado ou futuro. Existia apenas o sempre." entrou para meu top 5 frases que eu queria ter escrito.

LaBellaLuna disse...

Este é um dos textos que me faz parar pra pensar, de uma forma ou de outra a saudade sempre bate la no fundinho do coraçao!

LaBellaLuna disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
 

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