16 de agosto de 2010

Re: Buy Generic Cheaper Viagra 25mg 50mg

Sentou-se em frente ao computador e baixou os e-mails. 19 mensagens novas. 16 delas eram spam, coisas como “aumente o pênis”, “achei este vídeo seu na internet” e “XxX Pics”.

Todo dia era a mesma coisa. Mas, desta vez, se irritou. Soltou um palavrão e escolheu uma mensagem ao acaso no lixo eletrônico e apertou responder. Digitou um “vai tomar no cu e para de me mandar essa merda” e apertou enviar. Com aquele alívio que somente um punhado de palavrões permite, abriu o editor de textos e começou a trabalhar.

Em poucos segundos, o programa de e-mails apitou uma mensagem nova. “Desculpe qualquer transtorno. Isso não irá mais se repetir”.

Passou os olhos pela mensagem de modo automático, quase mecânico, antes mesmo de perceber que era uma resposta à mensagem que acabara de enviar. Ficou estático olhando a tela. Observou o endereço eletrônico com calma, certo de que era algum amigo seu brincando. Mas o endereço era totalmente desconhecido. Entendia um pouco de internet e sabia que aquilo, com certeza, era um endereço falso.

Leu a resposta novamente. Era educada, formal até, e escrita num português corretíssimo. Sua curiosidade se aguçou. Não tinha nada a perder. Digitou rapidamente um “quem é você?” e enviou. Segundos depois: mensagem nova. “Meu nome é Carla. Como você se chama?”

Acendeu um cigarro e olhou a tela em silêncio por alguns segundos. Isso não poderia estar acontecendo. Deve ter confundido as mensagens. Desceu a tela, procurando o texto do primeiro e-mail. Não havia errado, era aquele negócio mesmo de comprar Viagra genérico e um link.

“Meu nome é Júlio. Quem é você? Eu respondi uma mensagem de propaganda no lixo eletrônico”. Enviou e manteve o leitor de e-mails aberto, esperando pela resposta. Ela chegou em instantes. “Como eu disse, meu nome é Carla. Eu trabalho aqui enviando estes e-mails. Sei que deve ser bastante chato recebê-los, mas não vou enviar mais para você. Perdão.”

Com o cigarro na boca, respondeu que “sempre acreditei que estas mensagens eram enviadas automaticamente”, e não bateu a cinza enquanto lia a resposta (“não, algumas empresas fazem isso, mas nós somos pequenos, não temos recursos para isso. Temos duas pessoas enviando estes e-mails: eu que trabalho durante o dia, e um outro moço que fica à noite. PS – Não clica no link, tá? É vírus.”) estava digitando a resposta (“mas onde você está? Isso é no Brasil?”) quando a cinza caiu no teclado, sujando tudo. Não limpou antes de enviar o texto.

E ela respondeu que sim, era no Brasil, em Minas Gerais. E ele perguntou a idade dela.

E foi assim que eles passaram horas conversando.

Ela contou que eles compravam os mailings de outras empresas, e por isso que tinha o endereço de e-mail dele (“deve ter sido aquela merda de site de pôquer online”, ele pensou, mas não mandou), que sabia que isso era errado, mas que não tinha arrumado outro emprego. Ia continuar ali, mandando spams até conseguir juntar dinheiro para pagar uma faculdade. Queria fazer Letras (“sempre gostei de ler e adoro Drummond”). Ou, quem sabe, desistiria da faculdade e iria viajar, conhecer a América Latina, depois a Europa (“de carona mesmo, gastando pouquinho por dia, acho que dá”).

Quando percebeu, estava contando para ela de sua vida. Falou de seu trabalho (“é legal, eu gosto, sempre gostei de números, de contas, mas não é o que quero fazer pelo resto da vida”), da família que morava no interior (“sinto muita falta deles, e da comida da minha mãe, claro”), da última namorada (“não deu certo, foi cada um para um lado, você sabe como são essas coisas”).

Descobriram semelhanças (“também adoro MPB”), e algumas diferenças (“ah, desculpe, odeio filme de guerra, é muito violento”), sendo que algumas delas não eram tão grandes assim (“eu prefiro tinto”).

O editor de textos continuava aberto ali, com a tela em branco.

Mas, às 20h00min em ponto, ela disse que “preciso ir embora, podemos continuar amanhã?”. E ele disse que “sim, beijos”. Ela mandou outro, boa noite e um sorrisinho.

No dia seguinte, sentou-se em frente ao computador e abriu o programa de e-mails. Nada. Olhou para o relógio. Tentou fazer um relatório para o trabalho, mas não conseguiu. Resolveu arriscar e mandou um e-mail.

Sem resposta. Suspirou e voltou ao trabalho. Mas não conseguia escrever. Ligou a TV. Estava interessado numa notícia sobre o Oriente Médio quando o programa de e-mails apitou uma nova mensagem.

“Oi, desculpe, estava em reunião. Tudo bem?”

Não conseguiu segurar o sorriso. Novamente, passaram o resto do dia conversando. E, no dia seguinte, a mesma coisa. E no outro, também. Às vezes conversavam apenas batiam papo, comentando sobre o dia, sobre um filme, sobre um livro, até mesmo sobre culinária; às vezes, sobre coisas mais profundas, como sonhos, casamento, a dificuldade de se encontrar pessoas legais hoje em dia.

Ela não tinha computador em casa e, também não poderia mandar foto pela empresa (“jamais, meu chefe me mata se descobrir”). Com isso, ele dividia seu tempo: de dia, conversava com ela; à noite, tentava desenhar mentalmente seu rosto, lembrando-se da descrição que ela deu (“loira, baixinha, magra, olhos claros”).

Configurou seu e-mail para aceitar todas as mensagens de lixo eletrônico, e brincava tentando adivinhar se alguma delas havia sido mandada por ela (“mas não sou eu quem escreve, Jú, eu só envio”). Os fins de semana eram longos e vazios, nem tinha vontade de abrir o e-mail. Deixava para ligar o PC somente na segunda-feira, e ia direto procurando o “oi, bom dia” dela, sempre com o sorrisinho.

Mas um dia o “oi” não veio. Não veio nada, nem o sorrisinho. Mandou uma mensagem e nada. Esperou algumas horas, torcendo para ela estar em reunião. Nada. Nem um mísero e-mail (na verdade, recebeu um spam sobre relógios, mas ignorou, lembrando-se que ela havia dito que eles não mandavam estes de relógio (“não temos nenhum cliente disso aqui”).

Esperou em frente ao PC o dia inteiro, e nem sinal dela. No dia seguinte, a mesma coisa. Ficou preocupado. E no outro também. E no outro. Só lixo eletrônico comum. Não era o lixo eletrônico dela. Mas sentiu-se vazio, abandonado. A cada mensagem de “xXx Pics” ou “Nude pics for free”, suspirava de tristeza. As semanas se passaram. Aos poucos, a tristeza virou saudade, e, pior, a certeza de que nunca mais conversariam.

E ainda guardava aquela primeira conversa, daquele primeiro dia, feita toda em cima daquele e-mail de “Buy Generic Cheaper Viagra 25mg 50mg”. E relia uma vez por semana

Um dia, criou coragem e ativou o anti-spam novamente, mas nunca deixou de, todos os dias, olhar rapidamente no lixo eletrônico, procurando por notícias dela. Nunca achou nada (uma noite, meio bêbado, respondeu “Carla, fala comigo?” em mais de trinta mensagens, mas não teve resposta alguma.

E, numa terça-feira, estava quase se esquecendo dela (mentira, não estava, mas gostava de pensar que sim) quando recebeu uma caixa pelo correio depois do almoço. Abriu e encontrou apenas um cartão postal e um envelopinho. O cartão era de Londres e mostrava a cidade inteira, vista de cima. No verso, escrito apenas:

“Obrigada. Por tudo. Carla.”

Dentro do envelope, doze pílulas de Viagra. Genérico.

11 leitores:

Tyler Bazz disse...

Ideia sensacional, e texto demais!


Agora..... imagina ela na reunião! "Sim, senhor Siqueira, entendo que o nº de spams enviados por mim diminuiu na última semana, estou trabalhando para melhorar meu desempenho."
(podia virar texto no Champ, hein)

Rob Gordon disse...

Tyler

Eu tenho, em algum lugar da minha HD, meio texto sobre uma reunião do departamento de marketing de uma empresa de spam.

Fabi disse...

Eu 'taha QUASE chorando quando ele recebeu o cartão postal!

Otavio Oliveira disse...

planta que nasce no asfalto = Tirar leite de pedra = fazer crônica fodona inspirada pelos spams de viagra = rob gordon

Hally disse...

Eu 'taha QUASE chorando quando ele recebeu o cartão postal! [2]

Muito criativo, mesmo. Parabéns Rob!

Natalia Máximo disse...

planta que nasce no asfalto = Tirar leite de pedra = fazer crônica fodona inspirada pelos spams de viagra = rob gordon [2]

Marina disse...

Só podia sair da sua cabeça mesmo. Romance via spam. WHAT?

Varotto disse...

Coitado...

Seria bom ele guardar o Viagra. Dependendo de quanto tempo eçle for esperar por ela...

(piada babaca mode: ON)

Jullia A. disse...

Ah que genial. QUE genial.

Otávio M. Silva disse...

Adorei o Post, Parabens; Vou vir mais vezes por aqui.
Dá um passada no meu blog quando puder.
http://otaviomsilva.blogspot.com/
¬¬°ºoO
Forte Abraço

Ana Savini disse...

Esse, sem dúvida, está nos meus preferidos do Chronicles.

 

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