Sim, porque tem dias que ele é Champ.
Afinal, antes de tudo, antes mesmo de ser Champ, ele é um menino. E, como a maioria dos meninos, não consegue ficar quieto. Precisa brincar, precisa mexer, precisa testar. Seja dentro de casa, criando mundos imaginários com seus bonequinhos, seja na rua, para onde ele corre com a bola embaixo do braço, gritando pelos amigos, com o cachorro correndo e latindo atrás dele.
Não importa o lugar, importa apenas brincar.
E, com o tempo, o menino descobriu que a melhor maneira de brincar é com as letras. Elas permitem que ele invente o que quiser. Corre para dentro do mercado e inventa uma brincadeira, liga para a companhia de celular e inventa outra, cria jogos com as pessoas que inventa na rua. A única regra que ele se impôs é não mentir. Seus pais lhe ensinaram que mentir é errado, então ele jurou de pé-junto – e sem cruzar os dedos – que todas suas brincadeiras seriam verdade. Ao menos, a verdade que ele vê.
E, quando as outras crianças dão risada das brincadeiras que ele inventa, nada o deixa mais feliz. Ele ri junto, mas, como todas as crianças fazem antes de virar gente grande, ri de felicidade e de mais nada. E se as outras crianças falam que a brincadeira que ele inventou, pode ser aquela do taxi, aquela do Toddynho, aquela da moça da tabela de filmes, ficou divertida, ele morre de orgulho e chama os amiguinhos, aqueles que ele conversa mais, e pede:
– Todo mundo achou legal! Vê se você acha legal também!
Porque, mais que brincar, ele gosta de inventar brincadeira para os outros brincarem. Porque poucas coisas o deixam mais feliz que fazer os outros darem gargalhadas. Mas, como toda criança, quando alguém diz que a brincadeira ficou muito legal, ele esconde o rosto com as mãos, de vergonha.
Por isso que ele está sempre criando. E sorrindo, sempre sorrindo. Anda pela rua olhando as pessoas, as casas, os carros e criando, inventando, pensando. E sorrindo, sempre sorrindo. E olha para ele mesmo e inventa piadas, brincadeiras e apelidos. E sorrindo, sempre sorrindo.
Mas às vezes ele pára de brincar e vira adulto. E, entre uma brincadeira e outra, pergunta, indaga, quer entender. E se apaixona por cada um dos assuntos como se fosse a primeira vez, e começa a mexer nas letras, coloca uma palavra aqui, tira uma frase dali, até entender tudo sobre o assunto – ou, ao menos, até entender um pouco mais sobre o assunto.
E questiona, provoca, quer saber sobre vida, sobre morte, sobre amor, sobre perda, sobre não saber o que fazer. Às vezes erra, às vezes acerta, mas, no fundo, sabe que ainda é criança para aprender nas vezes em que erra. E sabe que no dia seguinte a vontade de brincar vai voltar, a vontade de inventar brincadeiras vai aparecer junto com o Sol.
Porque, mesmo sendo adulto, ele vai voltar a ser criança e a próxima brincadeira não demora a surgir. E quem já o viu criando sabe como é. Ele vê algo na rua e os olhos brilham e começa a sorrir sozinho. São as idéias de criança, aquelas que não têm barreiras, aparecendo na cabeça dele. E, de repente, ele corre para aquela coisinha preta cheia de botões com letrinhas e começa a montar a brincadeira. Às vezes ri alto; às vezes se concentra.
Mas está sempre feliz.
Ou quase sempre. Porque tem dias que ele precisa chorar um pouco, porque está com saudade de alguém, porque as coisas não estão indo bem na escolinha. Ou porque o time dele perdeu a Copa do Mundo. E ele sabe que não é porque é criança que ele não pode deixar de olhar para o passado e aprender um pouco mais com ele. Aí, ele senta e conta para os amigos como foi assistir aquela Copa, e chora de verdade quando escreve que chorou, e ri de verdade quando escreve que riu.
Porque ele sempre escreve a verdade, por mais brincadeira que ela seja. Por mais que digam que isso só acontece com ele, ele dorme feliz, sabendo que não é que só com ele, mas olha, que aconteceram, aconteceram.
Mas quer saber um segredo? Mesmo quando ele fala das Copas, mesmo quando ele fala das pessoas que ama, ele chora sorrindo, porque dá aquela tristeza boa, gostosa de sentir, aquela coisa que se nem adulto sabe explicar, imagine uma criança. Mas ele, teimoso, tenta, tenta o tempo inteiro.
Além disso, ele sabe que, quando precisar chorar, ele não precisa chorar em cima das brincadeiras. Basta ir correndo para o quarto, trancar a porta com cuidado, para não fazer barulho, sentar o chão e puxar aquela caixa de sapatos branca que fica embaixo da cama. É lá que ele guarda as coisinhas dele, é para lá que ele corre quando precisa chorar.
Sim, porque tem dias que ele é Chronicles.
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6 leitores:
Me passa muita coisa a dizer após ler este texto, mas vou deixar todas de lado, com exceção de uma que, delicadamente, deixo aqui:
"Porra! Cadê o livro?!?"
(vide Champ)
É por textos como esse que os Champs são uns dos meus blogs favoritos.
Quando vc brinca de ser criança, ou quando a criança que existe em vc resolve brincar, não sei como vc não se surpreende de a brincadeira ser de escrever! Crianças brincam de bola de gude, de bafo, de pique, de amarelinha – as do meu tempo (revelando a idade mode: on); as de hoje brincam mais de video game, mas nunca vi nenhuma brincar de escrever.
Será que vc não vê? Será que não quer ver?
Rob: wake up, abra los ojos: VOCÊ É UM ESCRITOR. Dos dois lados do espelho!
Rob menino.
Inside.
Gosto das brincadeiras que você inventa. Também gosto dos dias de respirar. Privilégio é poder brincar e rir também ou poder espiar rapidinho dentro da caixa de sapatos.
Lindos textos, os dois.
Beijos.
Porque tem dias que eu preciso aliviar minha carga de emoções e sei que posso passar no Chronicles...
@ofrango
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