Ela não achava aquela foto bonita. Estava de perfil, em meio a uma brincadeira com as amigas, de olhos fechados e fazendo bico, como se estivesse mandando um beijo. Achava a foto engraçada, mas não bonita.
Ele, por outro lado, se encantou. Não com a foto em si, mas com ela na foto. Os olhos fechados, os lábios desenhados, se fechando para segurar um beijo que escaparia em segundos, e que o fotógrafo não pegou.
Quando abria a foto no computador, permanecia por minutos com ela, fixamente, à sua frente. Cada linha de seu rosto estava decorada em seu cérebro; sabia a posição de cada fio de cabelo; ficava brincando consigo mesmo, tentando imaginar o que ela pensava naquele momento, o que ela sentia naquele segundo.
E rabiscava num papel, ao lado do teclado, palavras desconexas em busca daquele beijo perdido, que escapou do retrato. E deslizava o dedo pelo rosto dela, na tela, tentando adivinhar se aquele beijo havia realmente chegado a existir, se havia sido estalado na bochecha de alguém ou flutuado no ar até se dissipar no meio da música alta da festa que acontecia ao fundo.
Com o tempo, os olhos, a pele e o cabelo dela se tornaram coadjuvantes, planetas girando ao redor de uma boca vermelha com lábios comprimidos, prestes a estalar. Com o tempo, o beijo que ela fingia na foto se expandiu para o resto do retrato, que se tornou apenas isso: um enorme beijo.
Não queria somente entender o beijo, mas, desejava o beijo para ele. Estava já tão acostumado com aquele beijo, que a foto, de forma indolente, apenas ameaçava, que não sentia mais vontade dele, sentia saudade. Não era mais um beijo, era o beijo; não era mais uma foto dela; mas sim, ela inteira, em toda a sua plenitude, em todo o seu amor, em todos seu brilho.
Em todo seu beijo.
E à noite, abria a foto após voltar do trabalho. Já fazia meses que tinha consciência de que não estava olhando o rosto dela foto, mas sim a beijando. E fazia isso todos os dias, pois achava que um beijo dela não chegar a acontecer de verdade era quase um crime.
Pois, desde a primeira vez que viu o retrato, soube que os beijos haviam sido inventados para que ela pudesse existir, naquele momento, naquela posição. Sozinha, em uma fração de segundos que ficaria eternizada em sua mente, ela justificava a invenção dos beijos. Todos os beijos do mundo haviam sido criados para que, um dia, chegassem ao seu ponto máximo, que era o beijo dela.
E, mesmo sem o beijo, ele ia dormir completo, sabendo que o maior beijo da humanidade estava ali, guardado ao seu alcance.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
3 leitores:
belas palavras, rob. por coincidência, o meu último post no meusanosincriveis tem um pouco a ver com isso aí...
Melhor viver sonhando com um beijo do que não dar mais nenhum valor àquele beijo que se pode ter todo dia.
Lindo texto, Rob.
O melhor é notar que quanto mais ele olha a foto, sonha com o beijo, deseja aquele beijo... me parece que mais simples são os seus sentimentos. E ele dorme se sentindo completo.
Belo texto... Parabéns
Postar um comentário