6 de maio de 2010

O Conto do Navegante Apaixonado

E eis que um dia o navegante foi surpreendido pelos gritos da tripulação. Levantou-se rapidamente da cama e, sem calçar as botas, correu para o convés e observou o horizonte. Uma enorme porção de terra coberta de árvores e densa vegetação se descortinava à sua frente.

Sentiu uma lágrima descendo pelo rosto.

Após meses em alto-mar, com seus homens ameaçando se amotinar devido à falta de comida e de água, enfrentando tanto tempestades que quase levaram o navio a pique como dias sem vento que deixavam a embarcação praticamente estacionada, havia conseguido. Após meses confiando somente nas estrelas e estudando seus mapas, desafiando a descrença de todos que insistiam que a idéia de encontrar terra do outro lado do mar era apenas devaneio de um louco, via seu sonho se realizar.

Conforme o navio aproximou-se da costa, lembrou-se do sonho recorrente de sua infância, quando sonhava em encontrar um mundo completamente novo do outro lado mar. Sonhava sempre com a mesma imagem, com as mesmas árvores e praias, e com um número, que, anos mais tarde, ao estudar cartas de navegação, descobriu ser o paralelo que deveria usar como rota.

Passou anos se preparando, se privando de paixões e recusando taças de vinho, tendo apenas sua missão em mente. Desde menino, seus olhos estavam voltados apenas para o mar, e para o que havia do outro lado do horizonte. E, em pé no pequeno bote que se afastava do navio em direção à praia, lembrou-se de tudo o que havia feito e do quanto havia deixado de lado se preparando para este momento.

Pulou do bote para a água e caminhou em direção à areia branca da praia com as pequenas ondas estourando em seu joelho. E, assim que chegou ao seco, caiu de joelhos e agradeceu a Deus por estar ali.

Não havia descoberto apenas um mundo, mas sim um novo mundo. Andando para o interior, penetrou a vegetação densa e ainda intocada, vislumbrando plantas e flores com as quais jamais poderia ter sonhado.

Observou cores que não conhecia, e que iluminavam seus olhos com uma beleza que quase o levou às lagrimas. Cheirou aromas que nunca havia sido inspirados antes, e que o faziam ter certeza de que estava sentindo o perfume dos céus. E ouviu cantos de pássaros traduzidos em sons doces que lhe deixavam tonto de prazer.

E, enquanto caminhava, pedras brilhavam no chão, refletindo os tímidos raios de luz que se atreviam a iluminar o seu redor. Eram brilhos intensos, quase cegantes, e sua alma tinha a certeza de que seus olhos eram os primeiros a absorver estes brilhos em toda a sua intensidade.

E, como um amante afoito, desbravou ansiosamente as trilhas da mata, tomando cuidado para não machucar nenhum ramo, não tirar nenhuma pedra de lugar. Amava e desejava aquele lugar com todas as suas forças, mas não para possuí-lo, e sim para pertencer a ele.

Sabia que sempre fora parte daquele paraíso, mesmo antes de conhecê-lo.

Naquela noite, após seus homens levantarem acampamento, afastou-se e foi dormir sozinho, na terra. Aquela terra era sua amante, e a necessidade de, mais que dormir com ela, dormir incrustado nela gritava em sua mente. Assim, sem blusa ou botas, apenas de calça, deitou-se na terra e se entregou ao local.

E lá permaneceu mesmo quando a chuva chegou. Violenta, castigando as plantas e o solo, varrendo o pó da terra. E ele soube que os céus choravam de alívio por eles finalmente terem se encontrado, e chorou junto de emoção, até o amanhecer, quando o Sol venceu a escuridão e voltou a iluminar o mundo. E, junto com os raios de luz, os gritos de seus homens avisando que a tempestade fora tão intensa que seu navio havia naufragado na costa. Tudo estava perdido.

Tudo, menos ele. Ele estava em casa.

Assim, aproveitaram o resto de madeira da finada embarcação que chegou às praias e montaram uma pequena cidade para morar. Alimentavam-se de frutas, plantaram uma pequena horta e, vez ou outra, deliciavam-se com a carne de um dos animais. Poucos dias depois, descobriram que o local em que estavam era apenas uma ilha tomada por árvores e praias de areia branca, próxima a um continente.

Em sua nova morada, criaram um pequeno mundo dentro do mundo.

Os anos foram se passando e ele envelhecendo. Mas a ilha continuava intocável. Havia aceitado a sua presença como parte dela, e ele retribuía isso com fidelidade canina, tomando cuidado para tirar dela somente o necessário para o seu sustento. E, com as poucas armas que possuía, estava pronto para se defender de qualquer invasor que ousasse colocar os pés em seu lar, em seu mundo, em sua amante.

E, durante as noites, ele e seus homens festejavam a paixão que sentiam por aquele local. Cantavam ao redor de uma pequena fogueira, e trocavam impressões sobre o que haviam descoberto naquele dia. Porque sempre havia algo para descobrir.

Mas, às vezes, na calada da noite, ele se afastava dos companheiros e caminhava até o lado extremo da ilha. Sentava-se na praia e, de frente para o mar e ouvindo as ondas que pareciam cantar seu nome, passava horas olhando fixamente para o horizonte, onde o continente se estendia de ponta a ponta. Já havia decorado o local de cada montanha e de cada árvore que era possível avistar dali, mas não se cansava de olhar.

Pois sabia que não havia descoberto o paraíso, mas somente um pedaço dele. Uma pequena fração que fora suficiente para encantá-lo por completo, para explicar tudo o que havia sentido ao longo dos anos, e que fora suficiente para fazer com que deixasse de ser navegante ou explorador e fizesse com que ele voltasse a ser algo que nunca deixara de ser completamente: um homem completo. E mais nada.

Mas não podia evitar a atração que sentia pelo continente à sua frente.

Com a areia sob seus pés e o vento morno batendo em seu rosto, olhava as e estrelas, jurava para si mesmo que um dia colocaria os pés ali. Pois estava apaixonado pelo local e o queria inteiro. Queria cada cheiro, cada sabor, cada luz, cada gota de chuva. Pois estava apaixonado pelo local. Como sempre fora apaixonado, desde muito antes de encontrá-lo.

E iria colocar os pés ali mesmo que demorasse a vida inteira. Afinal, sua vida inteira estava lá.

1 leitores:

Lua Durand disse...

E como não amar, um amor tão grande assim? Que chega a sair do peito, do corpo, e fazer morada em tudo mais, e ao redor.

E como não entregar a vida aos sonhos, mesmo havendo a possibilidade de que eles se realizem ou não.

O que dói, é saber, e sentir, que um talvez, esconde infinitas possibilidades.

Ainda assim, prefiro viver como o Navegante Apaixonado.

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É.

 

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