21 de junho de 2014

Débora e o México

(Este texto é o segundo de uma série. A ideia - sugerida pelo leitor @cmmarcondes - é desenvolver esta crônica conforme o Brasil avança na Copa. A cada jogo do Brasil esta história ganhará um novo desenrolar, que acompanhará a seleção na Copa.

Para ler Débora e a Croácia, clique aqui)


Eu me conformei que a segunda-feira terminaria sem gols quando o goleiro defendeu a cabeçada do Thiago Silva. Assim que o zagueiro brasileiro decolou no meio da área e acertou uma testada em cheio na bola, o grito de gol preso na minha garganta há horas ameaçou sair numa explosão. Mas o goleiro mexicano defendeu. De novo. Inacreditavelmente. De novo.

Foi nesse momento que eu abandonei qualquer esperança de ver o Brasil marcar um gol contra o México. Eu estava sentado numa mesa cheia de mexicanos, no canto do bar lotado, e percebi que, pela primeira vez na vida, eu veria o Brasil empatar em zero a zero um jogo da primeira fase da Copa.

Enquanto os mexicanos gritavam como se estivessem no estádio e o resto do bar amaldiçoava o goleiro, olhei ao redor. Dezenas de pessoas vestindo camisa da seleção se apertavam entre as mesas. Homens, mulheres, casais, turmas de amigos. Alguns gringos soltos aqui e ali. E nada da Débora. Olhei no relógio e vi que faltavam cinco minutos para acabar a partida.

E foi então que eu percebi que não era o jogo que estava acabando sem gols, mas sim o meu dia, que havia se transformado em um enorme 0 x 0.

Dei um gole na cerveja e olhei para a TV. Mas não estava vendo o jogo, e sim meus últimos dias. Desde o final do jogo contra a Croácia, quando eu disse para a Débora que assistiria a todos os jogos do Brasil neste bar com o Batata, eu havia transformado a partida contra o México num jogo decisivo na minha vida. Afinal, a Débora sabia que eu estaria no bar. Se ela não estivesse lá, é porque ela não fazia questão de me reencontrar.

Mas, se ela estivesse...

Bom, se ela estivesse ali talvez não quisesse dizer nada. Talvez ela tivesse ido ao bar por outro motivo. Talvez fosse o namorado dela que escolhesse em qual bar ver o jogo. Talvez fosse coincidência, talvez ela estivesse ali porque suas amigas...

Não.

Se ela estivesse ali seria por minha causa.

Eu tinha certeza disso. Eu não sabia explicar como, mas eu tinha certeza. Era aquele tipo de certeza que não tem nenhum motivo lógico, mas que você não consegue parar de sentir (mesmo se perguntando, às vezes, se não se trata de uma vontade que se disfarçou de certeza para lhe pregar uma peça). Era a mesma certeza que eu senti que o Brasil seria campeão em 2002 quando Ronaldo marcou o primeiro gol contra a Alemanha, a mesma certeza que eu senti quando...

Quando vi a Débora pela primeira vez, na escola, e soube que ela seria minha namorada.

Era este tipo de certeza.

Por outro lado, eu também tinha certeza de que o namoro duraria para sempre e agora eu estava aqui: solteiro, vendo o jogo com um monte de mexicanos que não conheço, enquanto ela via os jogos da Copa sabe-se lá onde, sem nem lembrar que eu existo, e ao lado do namorado imbecil que não deve nem saber em quais anos o Brasil foi campeão.

Mas, naquele momento, eu gostaria de não ter sentido essa certeza. Desde o final do jogo contra a Croácia, eu havia tentado pensar no jogo contra o México, mas a Débora não saía da minha cabeça. Assisti a todos os jogos da Copa, vibrei e torci como em qualquer outra Copa do Mundo, mas sempre que eu me lembrava que o Brasil enfrentaria o México, também me lembrava que eu deveria estar no bar. E que a Débora deveria estar no bar. E que o namorado dela devia estar do outro lado do planeta. Podia até estar assistindo a Copa, mas em outro continente, e sem um telefone ou computador por perto. E não porque ia fazer alguma diferença ele estar ou não. A Débora não ia assistir ao jogo de mãos dadas comigo se ele não fosse ao bar. Eu não apenas não gostava da ideia de ver a Débora com outro cara.

Por isso que assim que eu acordei, horas antes, já mandei uma mensagem para o Batata perguntando que horas iríamos para o bar. Eu queria chegar antes de todo mundo e escolher uma mesa boa, onde eu pudesse ver tanto a TV como a porta do bar para controlar quem entrava. Mas o Batata não respondeu. Esperei meia hora, mandei outra mensagem. Nada. Não aguentei e liguei.

– Alô?, atendeu o Batata com voz de sono.

– Sou eu.

– Que horas são?

– Quase onze. Que horas a gente vai para o bar?

– Que bar?

– O bar! Hoje tem jogo do Brasil!

– Ah, é. Que horas é o jogo?

– Começa as três, menti.

Sem resposta do outro lado.

– Batata?

– Eu.

– O que você está fazendo?

– Estou olhando pela janela. Eu não sei onde eu estou.

– Como assim?

– Eu estou num hotel com uns uruguaios. Tem uns cinco aqui no quarto, estão todos dormindo. Eu acordei com você ligando, mas não sei onde fica esse hotel.

– Como é que você chegou aí?

– Sei lá. Eu lembro que estava num bar com uns portugueses que eu conheci. Aí eu lembro que chegaram esses uruguaios e começamos a beber. Eu nem sabia que o Uruguai estava na Copa. Acho que os portugueses foram embora e eu fiquei com os uruguaios.

– Dá um jeito aí. Você vai passar em casa ou quer me encontrar no bar?

– Que horas começa o jogo mesmo?

– Duas.

– Não era três?

– Não. Duas.

– Bom, eu te encontro no bar então. Vou desligar, tem um uruguaio acordando aqui.

Duas da tarde eu saí de casa. Estava usando a camisa da seleção e a mesma calça do jogo contra a Croácia. E fiz questão de percorrer o mesmo caminho que havia feito com o Batata antes do primeiro jogo. Andei pelos mesmos quarteirões, atravessei as ruas nos mesmos lugares. Não sei se fiz tudo isso pensando no México ou na Débora, mas quando percebi o que estava fazendo me senti um idiota de qualquer jeito.

Mas logo o sentimento passou. Assim como aconteceu com o jogo contra a Croácia, andar pelas ruas vendo as pessoas indo para suas casas e para os bares ver o jogo fez com que eu me concentrasse somente na Copa do Mundo. E, por mais que o México não fosse um adversário extremamente fácil – eu adoraria ter um Irã ou uma Honduras no grupo do Brasil – eu e todos os brasileiros esperavam por uma goleada.

Assim, quando eu cheguei ao bar, não existia mais Débora, namorado da Débora. Somente o México. Faltava uma hora para o jogo começar e o bar ainda estava vazio. Pedi uma cerveja e comecei a ver as matérias que a TV passa antes do jogo. A escalação do time mostrava que o Hulk ia mesmo ficar no banco. Mostraram os gols da vitória da Bélgica sobre a Argélia, imagens da torcida chegando ao estádio, o ônibus do Brasil.

Mas, do nada, a Débora explodiu na minha cabeça e eu senti um frio na barriga. Eu havia passado anos e anos me perguntando o que eu faria caso me encontrasse com a Débora um dia. Agora, pela primeira vez desde que havíamos terminado o namoro, eu sabia que iria encontrá-la em alguns minutos e descobri que eu não fazia ideia do que falar.

Eu poderia apenas falar do jogo. Ela sabe o quanto gosto de futebol, não soaria estranho. Talvez perguntar sobre a família dela, sobre os pais dela, sobre a faculdade. Mas, em momento algum eu iria tocar no assunto do nosso namoro. E, claro, eu iria fingir que o fato dela estar no bar era apenas coincidência, e não teria nada a ver com eu ter falado que estaria ali. Essa parte seria um segredo nosso e ninguém nem desconfiaria disso.

E, de repente, eu me senti estranho. Estar no mesmo lugar que a Débora era algo estranho, mas saber que ela estaria ali somente porque eu estaria fez com que eu me sentisse... Ansioso? Sem dúvida. Esperançoso? Não. Acho que não. Quer dizer, acho que sim. Apaixonado? Não, definitivamente não. Eu não iria me apaixonar por uma garota simplesmente porque...

Simplesmente porque ela foi a namorada que mais amei na vida e de repente apareceu na minha frente no meio de um jogo do Brasil.

Não. Isso havia acontecido anos atrás. Virei o copo de cerveja, pedi mais uma e me convenci que eu não estava sentindo nada, apenas ansiedade. E que ela provavelmente estava sentindo a mesma ansiedade que eu, então estávamos quites. Aliás, eu ainda era vitorioso porque a minha ansiedade era só por causa do jogo e não tinha nada a ver com ela. Nem com o sorriso dela. Nem com os olhos dela. Nem com o jeito que ela prendia o cabelo. Nem com a forma que ela olhou na minha direção durante o jogo contra a Croá...

De repente, meu celular tocou. Era o Batata.

– Tô chegando.

– Beleza. Já estou no bar.

– Pede umas cadeiras aí que estou indo com uns mexicanos.

– Mexicanos? O jogo é contra o México, eu não quero assistir junto com mexicanos.

– Relaxa, eles são gente boa.

– Porra, quantos mexicanos são?

– Uns cinco. E tem mulher no meio. Tem uma mexicana que se não for a Larissa Riquelme, é irmã dela. Falta só o celular no peito.

– A Larissa Riquelme é paraguaia.

– Ah, é? Bom, estamos chegando. Estamos saindo do táxi.

Eu olhei ao redor procurando pela Débora, não, pelo garçom para pedir mais cadeiras, mas não vi ninguém. O bar já estava enchendo e o Batata que me desculpe, mas eu não ia ficar correndo atrás de cadeira para os mexicanos. A mesa ao lado tinha três cadeiras e somente um casal. Perguntei se podia pegar a cadeira, eles disseram que sim e eu puxei ela para minha mesa. Minha parte já estava feita. O Batata que se virasse com as outras.

De repente, eu ouvi uma gritaria na calçada e olhei para a porta do bar a tempo de ver uma invasão mexicana. Uns quinze mexicanos estavam entrando no bar com bandeiras, cornetas e gritos de “Mérrico! Mérrico!”. No meio deles, o Batata. Vestindo uma camisa da seleção mexicana. Antes que eu pudesse me esconder, ele já estava do meu lado.

– Já começou o jogo?

– Batata, você está com uma camisa do México.

– Eu sei. Legal, né?

– Legal porra nenhuma! O jogo é contra o México!

– É? Não é Camarões?

– Camarões é o terceiro jogo! Hoje é contra o México!

Enquanto eu falava, os mexicanos nos cercaram e começaram a batucar na mesa aos gritos de “Mérrico! Mérrico!”. Minha vontade era levantar e sair dando cadeirada em todo mundo para acabar com aquele inferno, mas aí eu lembrei que a Débora podia estar no bar e fiquei quieto.

– Pô, não sabia! Vou tirar! Você arrumou as cadeiras?

A esta altura eu e o Batata já estávamos precisando gritar para um ouvir o outro.

– Não! Arrumei só a sua!

– Cadê o garçom?

– Sei lá!

– Já volto!

Não sei como, mas o Batata conseguiu arrumar quase dez cadeiras em menos de cinco minutos. O Batata é um cara estranho. Ele nunca sabe o que está acontecendo no mundo, e está sempre com aquela cara de quem tomou umas duas a mais. Mas sempre que alguém precisa arrumar alguma coisa num bar, ele consegue. Não sei se é pelo fato dele ser grande – o Batata tem mais de 1.90m e pesa mais de 100 quilos (a camisa do México que ele estava usando parecia prestes a explodir) – ou pelo fato dele estar sempre sorrindo e tratando os garçons como se fossem amigos de infância. Eu sei que quando o jogo começou, estávamos todos sentados ao redor da mesa, assistindo aos hinos. Menos o Batata, que virou para mim e perguntou:

– Você viu quem está no bar?

Minha barriga congelou e eu torci para o Batata não perceber. Fingi desinteresse e, sem tirar os olhos da TV – estavam tocando os hinos – perguntei quem.

– A Larissa Riquelme. Ela veio aqui com os mexicanos.

– Batata, eu já disse que a Larissa Riquelme é paraguaia.

– Não, ela é mexicana. Você precisa ver, acho que ela foi ao banheiro. Ela tem um cabelo...

Mas o juiz apitou e eu não ouvi mais o que o Batata estava falando. A esta altura, o bar estava lotado e todos gritavam a cada ataque do Brasil – menos nossa mesa, que gritava a cada ataque do México. Fiquei com medo de dar confusão, mas o Batata ali, com a camisa do México, afastaria os bêbados mais patriotas que estivessem no bar.

Foi o pior jogo do mundo. Não que tenha sido um jogo ruim, pelo contrário. O México estava jogando mais que a gente, mas o Brasil levava mais perigo ao gol. Ou seja, podia acontecer qualquer coisa. E quando a bola saía eu olhava para os lados procurando pela Débora e não encontrava o menor sinal dela, o que me deixava ainda mais nervoso com o que estava acontecendo na TV. Ou o que estava acontecendo na TV me deixava ainda mais nervoso por perceber que a Débora não havia ido para o bar.

Mas, de repente, tudo quase mudou. De repente, levantaram a bola na área do México e o Neymar subiu mais que todo mundo. Eu só vi a bola entrando, no cantinho, até aparecer a mão do goleiro do México desviando a bola e eu gritar um palavrão que fez algumas pessoas olharem para mim – nenhuma delas era a Débora. E, a cada ataque do México, os mexicanos ao nosso lado começavam a gritar “Mérrico! Mérrico!” e eu olhava para o Batata que cochichava que “esquece esses caras, você precisa mesmo é ver a Larissa Riquelme, ela é demais!”

Fim do primeiro tempo. Peço para o Batata guardar meu lugar e vou até o banheiro. Faço o caminho mais burro possível, fazendo questão de passar por todas as mesas, procurando pela Débora. Nada. Na volta, mesma coisa. Nada. Volto e espero um pouco na porta do banheiro, lembrando que no jogo contra a Croácia foi ali que nos encontramos. Nada. Volto para a mesa passando novamente por todas as mesas, torcendo para ninguém ter reparado que estou andando feito um imbecil pelo bar. Nada da Débora.

Quando volto para a mesa, o segundo tempo está prestes a começar. Os mexicanos estão discutindo animadamente alguma coisa. Pelo que entendi, alguns deles achavam que o Chicharito tinha que entrar para definir o jogo, e outros achavam que não. Aí um deles gritou algo que eu entendi como “Chicharito é melhor que Hugo Sanchez” e o pau começou a quebrar em espanhol na mesa. Todos gritavam, menos eu, que fingi que não havia reparado que as pessoas na mesma mesa que eu estavam quase se matando, e o Batata que estava...

O Batata estava desaparecido no meio de uma morena. Era uma garota que usava a camisa do México e estava sentada no colo dele. Eles estavam se beijando, mas a cada beijo a garota parecia que estava tentando engolir a cabeça do Batata. Eu fiquei em choque olhando aquilo por alguns instantes, até que o beijo terminou – provavelmente, porque eles já estavam sem ar – e o Batata me viu ali.

– Olha! A mexicana que te falei! A Larissa Riquelme!

A menina sorriu para mim. Eu nunca tinha visto uma garota mais feia na vida. Ele era cheia de espinhas e tinha os dentes da frente separados. E parecia ser um pouco vesga – mas isso podia ser impressão minha. Eu acenei para ela, sem graça.

– Gata, hein?, disse o Batata.

– É.

– Ela tem umas amigas! Tá a fim?

A menina sorriu para mim, desta vez me olhando bem de frente. Ela era vesga mesmo. E parecia estar mais de fogo que o Batata.

– Batata...

– E elas têm tequila no hotel! Vamos nessa!

– Olha, Batata, começou o segundo tempo.

E havia começado mesmo. O Batata e a mexicana voltaram a um tentar engolir a cabeça do outro, e eu comecei a prestar atenção na TV. E logo ficou claro que o primeiro tempo havia sido difícil, mas o segundo tempo seria pior. O Brasil voltou sem jogar nada. Não atacava, defendia errado. O meio de campo não existia. Eu tive que perguntar para um mexicano se o Paulinho havia saído no intervalo, porque eu não via mais o cara em campo. O Brasil parecia jogar com uns dois a menos.

E, de repente, eu comecei a perceber que o Brasil iria tomar um gol. Seria inevitável. E o Brasil iria perder um jogo na primeira fase justamente numa Copa em casa. E do México. As casas de apostas em Londres deviam estar enlouquecendo com o futebol do Brasil.

O jogo havia se tornado um pesadelo. O time dormia em campo e iria tomar um gol a qualquer momento. E, de repente, eu comecei a vibrar mais com as defesas do que com os ataques. Será que é assim que os torcedores de times como Nova Guiné ou El Salvador se sentem quando seus times jogam uma Copa do Mundo? Você reza para o tempo acabar antes de tomar um gol e sai satisfeito?

E eu vivia meu pesadelo particular. Comecei a fazer acordos comigo mesmo. Prometi para mim mesmo que se o Brasil marcasse um gol eu iria assistir ao próximo sozinho jogo em casa. Prometi para mim mesmo que se o Brasil ganhasse um jogo eu não iria torcer para a Espanha ser eliminada na primeira fase. Prometi para mim mesmo que se a Débora aparecesse ali eu não me importaria dela estar com o namorado. Prometi para mim mesmo que eu passaria o resto da vida dizendo ao Batata que aquela mexicana vesga era a mulher mais linda que eu havia visto na vida  em troca de um golzinho.

Mas minhas promessas não deram resultado. Ataques e mais ataques do México. E eu ali, cercado de mexicanos que gritavam enlouquecidamente do meu lado. Assim como eu, eles pressentiam que o time deles poderia ganhar do todo poderoso Brasil.

E o Batata ali, praticando uma espécie de ritual de acasalamento com aquela mexicana vesga.

Mas de repente o Brasil acordou. E a bola sobrou no pé do Neymar. No canto da pequena área. Um mexicano foi para cima dele, mas ele fintou o cara e bateu. Gol. Não tem como um chute desses não entrar. Mas não entrou. Todos os mexicanos urraram quando o goleiro defendeu, e eu enfiei o rosto entre as mãos, resmungando que o goleiro era um filho da puta que não é possível que ele não tome um gol e me deixe em paz com a minha Copa do Mundo.

Engraçado como torcedores entendem de futebol. Acho que o bar inteiro percebeu que o jogo terminaria zero a zero. Os gritos diminuíram. Mas a tensão continuou. Especialmente a minha, já que estávamos caminhando para o final do jogo e a Débora não estava no bar. E ela não chegaria a essa hora. Ninguém chegaria a essa hora.

Merda de bar. Merda de Copa.

E, quando Thiago Silva cabeceou a bola e o maldito goleiro defendeu de novo, eu caí na real. Não ia ter gol, não ia ter Débora. Eu havia passado dias sonhando com uma goleada e com a Débora no bar e não havia conseguido nenhum dos dois. Pelo menos, na Copa, ainda teríamos o jogo contra Camarões. Já a Débora... Provavelmente nunca nem pisaria novamente nesse bar na vida.

Merda de jogo. Merda de time.

Mas, de repente, acontece o impensável. O México lança uma bola para a direta, o atacante escapa do zagueiro e entra em diagonal na área. Já estamos nos descontos e eu levantei, ansioso.

E sabe-se lá porque, eu não estou olhando para a TV. Estou olhando para a Débora com o namorado e umas amigas na calçada, vendo o jogo na TV que fica virada para as mesas fora do bar. Ela estava o tempo todo ali, em pé, na calçada. Provavelmente, o bar estava lotado quando ela chegou e ela não conseguiu entrar.

Meu mundo roda e eu descubro que é possível sentir a emoção de um gol sem ver o Brasil marcar um gol. De repente, todas as certezas que eu não quero ter invadem meu cérebro, meu coração dispara e eu tenho vontade de abraçar os mexicanos ao meu lado e dizer que Copa do Mundo é a melhor coisa do mundo.

E eu sei que preciso olhar para a TV, mas não consigo tirar os olhos da Débora. E, quando ela grita, vibrando, eu sei que o ataque do México terminou numa defesa espetacular do Júlio Cesar (que eu só consegui ver a noite).

Acaba o jogo e minha vontade é correr até o Batata, salvar a vida dele antes que ele seja engolido por aquela garota e gritar que a Débora veio. Mas consigo me controlar. Mas estou tonto. Tonto de calor, tonto de gol não marcado, tonto de Débora. Só quero ir embora.

Bato duas vezes no ombro do Batata, mas ele continua submergido na mexicana. Viro para um dos mexicanos, resmungo alguma coisa como “diz que eu fui para casa” e vou embora, pouco me importante se eles entenderam ou não. Eu só preciso sair dali. Eu só preciso que a Débora me veja no bar.

Saio do bar e caminho na direção dela da forma mais casual do mundo, olhando para todos os lados, menos para ela. E, de repente, eu estou na frente dela.

– Oi!, ela diz, sorrindo.

– Olá, eu devolvo o sorriso.

– Você estava aí dentro?

– Sim. Você ficou aqui fora?

– Sim, estava cheio demais.

– Eu não tinha visto você aqui, eu minto.

– Eu também não. Estava concentrada demais no jogo. Não tirei os olhos da TV.

E de repente eu tenho a certeza de que ela está mentindo. E decido que esta certeza ninguém vai arrancar de mim. E ela sabe que eu sei. E o namorado dela sabe que está acontecendo alguma coisa, porque ele está olhando para mim como se eu fosse o goleiro do México. Finjo que não é comigo e, aproveitando que estou fingindo, decido fingir que meu celular está tocando. Finjo que atendo e finjo que é o Batata.

– Batata? Estou indo embora! Tenho umas coisas para fazer!

Ninguém responde do outro lado do celular desligado.

– Beleza! Beleza!

Silêncio.

– Não. Diz que eu não vou! Estou cansado demais!

Silêncio.

– Fechado! No jogo contra Camarões, a gente se encontra direto aqui no bar!

Recado dado, Débora. Camarões, segunda-feira, 17 horas. Anotou, né?

Desligo, peço desculpas e sorrio, dizendo que preciso ir. Ela sorri de volta e eu vou embora no meio da multidão.

E vou para casa flutuando com a minha camisa da seleção, me sentindo como se o Brasil tivesse enfiado uns cinco gols no México. Que Copa!

Que Copa!


(Para ler Débora e Camarões, clique aqui.)

8 leitores:

Cesar da Mota Marcondes Pereira disse...

De vez em quando, só de vez em quando, eu acho que você escreve umas histórias tendo algum conhecido seu - não um personagem que saiu da sua cabeça, rs
Mas, de certa forma, todo bom personagem é, de alguma forma, uma pessoa muito conhecida de seu autor.

Muito obrigado por ter abraçado a ideia!
E que venha o jogo de Camarões!!

Tuíla disse...

A ideia dessa série é genial. E a execução é maravilhosa! To doida pra ver como isso vai terminar!

Douglas Marciano disse...

Que Copa! Esses seus textos são um motivo a mais para torcermos para o Brasil chegar na final.

Rafael oliveira disse...

Cara essa serie esta demais, que historia fantastica, e talvez até real,rs. Só um erro. O jogo foi Belgica contra Argelia e não contra Coreia do sul!

Rob Gordon disse...

Rafael:

Distração minha. Já arrumei, valeu pelo toque!

Abraços!

Rob

Giovana disse...

Estou adorando os jogos qdo acabam, sei que vem texto seu... a continuação! Por favor, não demore pa postar depois de Brasil X Camarões.

Carol Sbaile disse...

O Brasil já perdeu na primeira fase, sim. Em 98, e da Noruega! Só comecei a ler a série agora. Ansiosa pelo (semi) final!

Rob Gordon disse...

Sbaile:

Você está coberta de razão -meu bloqueio a respeito da Copa de 98 me impede de lembrar disso.

Arrumei o texto. Valeu! :)

 

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